TJSP mantém condenação de Banco
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a sentença que condenou o Banco do Brasil a reembolsar consumidor sequestrado.
Por Sidval Oliveira, Sidval Oliveira Advocacia (SOA)
14 de março de 24 | Tempo de leitura: 5 min
O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, por maioria de votos, manter a sentença que julgou procedente em parte a ação de declaratória de inexistência de débito, movida por consumidor contra o Banco do Brasil S/A. A decisão, baseada nos princípios do Código de Defesa do Consumidor e na jurisprudência consolidada, reconhece a falha na prestação de serviços bancários e a responsabilidade civil da instituição financeira diante de transações fraudulentas ocorridas durante um sequestro relâmpago.
Reconhecimento de Falha na Prestação de Serviços Bancários e Responsabilidade Civil
No caso em questão, o consumidor foi vítima de um sequestro relâmpago em São Paulo, durante o qual foi coagido a realizar diversas transações bancárias, incluindo a contratação de empréstimos e transferências de valores para terceiros. O consumidor argumentou que tais transações foram realizadas sob coação e que o Banco do Brasil, ao não adotar medidas adequadas de segurança, permitiu que tais operações fossem efetuadas.
O Tribunal, ao analisar o caso, destacou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às instituições financeiras, conforme consagrado na Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, reconheceu a existência de uma relação consumerista entre o cliente e o banco, exigindo deste último o dever de garantir a segurança e a integridade das transações realizadas pelos consumidores.
A responsabilidade objetiva do banco foi sustentada com base nos artigos 4º, 6º e 14 do CDC, os quais estabelecem o dever de segurança, a proteção contra práticas abusivas e a responsabilidade por defeitos na prestação de serviços. O Tribunal ressaltou que a ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações atípicas e suspeitas configura uma falha na prestação de serviço, passível de gerar responsabilidade civil por parte da instituição financeira.
Segundo o Desembargador Relator:
Ora, respeitados os entendimentos em sentido diverso, incumbia à requerida (e dela se esperava) realizar controle mínimo do perfil de utilização regular de seus serviços pelos clientes, devendo ela ter se cercado dos cuidados necessários; isso permitiria, no caso em análise, a suspensão das operações suspeitas (vale reforçar: algumas em elevado valor, realizadas em contexto deveras suspeito e em curto intervalo de tempo), até que estas fossem confirmadas ou rechaçadas diretamente com o titular da conta por algum meio confiável (ligação telefônica, preenchimento de “token”, duplo fator de autenticação “2FA”, mensagem de texto ou equivalente).
Decisão e Implicações
Diante das evidências apresentadas, o Tribunal decidiu por negar provimento ao recurso interposto pelo Banco do Brasil S/A, mantendo a sentença de primeira instância que reconheceu a inexistência dos débitos contestados pelo Consumidor. Além disso, o banco foi condenado a restituir os valores eventualmente descontados e a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios.
Essa decisão reforça a responsabilidade das instituições financeiras na proteção dos clientes contra fraudes e transações indevidas, estabelecendo parâmetros claros para a prestação de serviços bancários seguros e transparentes.
A defesa do Consumidor Autor foi feita pela advogado Sidval Oliveira.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1057631-62.2022.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A, é apelado GJGC.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
Por maioria de votos, em julgamento proferido nos termos do Art. 942 e §1º do CPC, negaram provimento ao recurso, na forma do voto do Relator. Vencidos o 3º Desembargador, que declara, e o 4º Desembargador., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ISRAEL GÓES DOS ANJOS (Presidente), HENRIQUE RODRIGUERO CLAVISIO, HELIO FARIA E ERNANI DESCO FILHO.
São Paulo, 31 de janeiro de 2024.
SERGIO GOMES Relator(a) PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APELAÇÃO 1057631-62.2022.8.26.0114 COMARCA DE CAMPINAS APELANTE: BANCO DO BRASIL S/A APELADO: GJGC
VOTO 51894
APELAÇÃO – AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO “SEQUESTRORELÂMPAGO” -SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM PARTE.
1. DIREITO CIVIL -Atos praticados pelo consumidor sob coação de criminosos -Configurado o vício sobre requisito essencial de existência dos atos jurídicos objeto da demanda Efetiva ausência de declaração válida de vontade do consumidor nas transações efetuadas sob o domínio de sequestradores Doutrina e jurisprudência.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL -Falha na prestação do serviço configurada -Artigos 4º (caput e “d”), 6º e 14 (§ 1º) do CDC -“O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial, sendo dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar fraudes perpetradas por terceiros, independentemente de qualquer ato dos consumidores. (…) Como consequência, a ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações atípicas e que aparentam ilegalidade corresponde a defeito na prestação de serviço, capaz de gerar a responsabilidade objetiva por parte da instituição financeira” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 2.052.228/DF, j. 15/09/2023) -Em que pese não seja a instituição bancária responsável pelo crime do qual foi vítima o autor, restou evidenciada sua culpa ao não garantir o zelo pelo patrimônio confiado à sua custódia -Teoria da confiança e justa expectativa do consumidor -Diante das peculiaridades do caso concreto, havia a necessidade de prévia verificação da regularidade das operações diretamente com o consumidor, sem o que não poderiam ter sido liberadas -Responsabilidade objetiva configurada -Desatenção ao previsto na Resolução CMN 4968/2021 acerca dos sistemas de controle interno para avaliação de riscos e prevenção de fraudes nas transações bancárias em geral -Culpa “in omittendo” e “in vigilando” Jurisprudência do STJ, do TJSP e precedentes desta c. Câmara Restituição mantida nos moldes definidos na origem. SENTENÇA MANTIDA -RECURSO DESPROVIDO.
Cuida-se de recurso de apelação interposto por BANCO DO BRASIL S/A contra a r. sentença de fls. 360/365, cujo relatório se adota em complemento, na qual julgados procedentes em parte os pedidos formulados por GJGC em ação declaratória, nos seguintes termos: (a) DECLARO a inexigibilidade dos empréstimos nos valores de R$ 74.400,00 (setenta e quatro mil e quatrocentos reais), referente ao CDC nº 9880711737 e R$ 7.169,61 (sete mil cento e sessenta e nove reais e sessenta e um centavos), relativo ao Contrato BB Crédito 13º Salário nº 12083987), além de transferências PIXs nos valores de R$ 3.000,00 (três mil reais), R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais). (b) CONDENO o Réu a restituir ao Autor os valores de eventuais taxas e impostos descontados relativos às operações declaradas inexigíveis, bem como as parcelas dos empréstimos que tenham sido descontadas do correntista, podendo o Demandado compensar tais valores com a quantia a ser restituída por aquele, que permaneceu depositada na conta bancária e não foi alvo de transferência a terceiros. Em razão da sucumbência, CONDENO a parte Ré ao pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor do proveito econômico obtido pelo Autor (somatória dos valores dos empréstimos declarados inexigíveis).
Alega a parte requerida, em síntese, que: não se aplica ao caso a inversão do ônus da prova; não tem responsabilidade com o ocorrido, pois trata-se de um golpe praticado por terceiros (fortuito externo), o que envolve questões de segurança pública alheias à sua atividade; afirma que as transações realizadas são legitimas, visto que foram realizadas por meio do próprio cartão de crédito do autor, mediante a uso do chip com senha pessoal ou aproximação, não tendo o que se falar em falha na prestação de serviço ou ilegalidade em sua conduta; não teve nenhuma conduta que gerasse o nexo causal com os danos alegados, também carentes de comprovação (fls. 368/382).
Recurso tempestivo, preparado e contrarrazoado (fls. 388/400).
É O RELATÓRIO.
O recurso não comporta provimento.
Em primeiro lugar, impende consignar a aplicação, ao caso concreto, das disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois a questão se refere ao fornecimento de serviços junto ao mercado de consumo, sustentando a parte requerente, que é cliente do banco, ter sido vítima de uma falha deste na prestação dos serviços contratados, em especial no tocante à segurança de seus sistemas. É esse o entendimento há muito consolidado na Súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
A causa de pedir envolve a realização de diversas transações bancárias, pelo apelado, sob coação de criminosos, quando vitimado por sequestro relâmpago. Alega ter sido obrigado a contrair empréstimo por meio de aplicativo móvel e a transferir valores a contas de terceiros.
Alegou que, ao autorizar as transações de valores elevados e fora do seu perfil de consumo regular, o banco não garantiu a segurança dele esperada, não se certificando da autenticidade das operações e mostrando a fragilidade dos sistemas de controle interno, a permitir com que o crime se concretizasse, o que culminou em prejuízos financeiros de elevada monta ao correntista.
No caso concreto, nota-se que a relação entre as partes é incontroversa, bem como a ocorrência das transações contestadas (empréstimos e transferências realizadas pelos sequestradores), bem quantificadas pelo MM. Juiz de Direito. Tem-se, ainda, o documento a comprovar que, na sequência dos fatos, o apelado procurou instituição bancária e formalizou o pedido de ressarcimento das transações efetivadas, obtendo, contudo, resposta negativa, ao argumento de que os fatos não seriam de responsabilidade do banco, mas sim uma situação de segurança pública, narrativa esta também exposta nos autos do processo.
Diante desses motivos e mesmo considerando aqueles deduzidos na peça de defesa da instituição bancária, reconheceu o d. Juízo “a quo” a responsabilidade objetiva por fortuito interno configurado na inércia da requerida, a indicar culpa “in omittendo” e “in vigilando”, e um serviço defeituoso, nos termos do § 1º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Pois bem.
Deve ser ponderado, de início, que não se está aqui a responsabilizar a instituição bancária por uma situação que estivesse totalmente fora de seu controle.
Pelo contrário, não obstante seja inegável a ocorrência de um fato lamentável configurado no crime do qual o apelado foi vítima (que decorre da insegurança vivenciada pelo cidadão comum), é certo que incumbia à fornecedora dos serviços bancários garantir mecanismos preventivos, no sentido de evitar que terceiros realizassem transações indevidas envolvendo vultosos valores de seu cliente.
Não é demais salientar que estes valores -em regra, fruto de trabalho do cidadão e destinados ao sustento seu e de sua família -são postos sob a custódia do banco justamente por dele se esperar confiabilidade e segurança, especialmente quando se trata de uma instituição de renome, como é o caso do apelante.
Acerca da confiança como fundamento contratual de caráter vinculante, apto a trazer legítima expectativa de direito aos contratantes, Judith Martins-Costa elucida, com acuidade, que: “(…) no negócio jurídico, expresso em declarações negociais e em comportamentos concludentes, confiança e autonomia privada se unem de modo dinâmico, de tal sorte a provocar, por suas forças mutuamente implicadas, uma potencialização de suas respectivas eficácias jurídicas. É que, se por um lado a confiança é um dos fundamentos dos negócios jurídicos, por outro a constituição de uma relação de confiança se realça quando vinculada a uma declaração negocial. A manifestação negocial, assim, constitui a confiança legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta na confiança gerada pela declaração.” (A boa-fé no direito privado critérios para sua aplicação. 2ª ed, são Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 252)
Portanto, muito embora o banco requerido defenda a total ausência de responsabilidade de sua parte e a culpa exclusiva de terceiros pelo ocorrido, é sabido que fraudes dessa natureza são praticadas por verdadeiros especialistas que se aproveitam de brechas nos sistemas de segurança dos bancos para concretizar transações fraudulentas das mais variadas, lesando diretamente os consumidores do serviço.
E a instituição bancária não poderia ficar inerte frente a tal situação, incumbindo a ela, ao disponibilizar seus serviços no mercado de consumo, garantir sua segurança, o que encontra amparo na legislação consumerista vigente, em especial no artigo 4º, caput e alínea “d” (que colocam a segurança de produtos e serviços como um dos objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo), no artigo 6º (que trata a “segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços” como um direito básico do consumidor) e no artigo 14, § 1º (a tratar sobre defeito no produto ou serviço, quando este “não oferece a segurança que dele legitimamente se espera”).
Ademais, é certo que a exteriorização de uma declaração válida de vontade é elemento essencial do qual depende a própria existência de uma relação jurídica.
Nesse sentido, a doutrina: “Os requisitos de existência do negócio jurídico são os seus elementos estruturais, sendo que não há uniformidade, entre os autores, sobre a sua enumeração. Preferimos dizer que são os seguintes: a declaração de vontade, a finalidade negocial e a idoneidade do objeto. Faltando qualquer deles, o negócio é inexistente. A vontade é pressuposto básico do negócio jurídico e é imprescindível que se exteriorize. Do ponto de vista do direito, somente vontade que se exterioriza é considerada suficiente para compor suporte fático de negócio jurídico. A vontade que permanece interna, como acontece como a reserva mental, não serve a esse desiderato, pois que de difícil, senão impossível, apuração. A declaração de vontade é assim, o instrumento de manifestação de vontade […]” (GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro -Parte Geral; 9ª edição; São Paulo; Saraiva; 2011; p. 350)
E a jurisprudência: DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL -Bancário -Extorsão mediante sequestro -(…) Falta de segurança -Ocorrência Contratação de empréstimo consignado Inexistência -(…) Correntista idosa que foi abordada em via pública e coagida a efetuar saque de vultosa quantia, além da contratação de empréstimo consignado, em terminal de autoatendimento, sem que tenha observado a instituição financeira os deveres de cuidado e segurança, ínsitos à prestação de seus serviços, a contribuir decisivamente para o exaurimento do crime. Ausência de manifestação de vontade livre e espontânea a tornar inexistente o negócio jurídico em questão, e impor a inexigibilidade da contraprestação financeira dele decorrente. REPETIÇÃO DE INDEBITO Extorsão mediante sequestro-Contrato de mútuo inexistente-Descontos indevidos sobre benefício previdenciário Existência -Pagamento em dobro Necessidade-Inteligência do artigo 42, parágrafo único, do CPC: Havendo desconto indevido sobre benefício previdenciário, em razão das parcelas de contrato de mútuo havido de forma fraudulenta, o banco deverá ressarcir em dobro a quantia paga indevidamente, à luz do que dispõe o artigo 42, parágrafo único, do CDC. (…). (Apelação Cível 1000245-64.2021.8.26.0161; Relator: Nelson Jorge Júnior; 13ª Câmara de Direito Privado; Julgamento: 18/02/2022).
Dito isso, é certo que tal declaração -que deve ser livre e espontânea -não ocorreu no caso concreto, porquanto demonstrado pelo apelado que as operações foram efetuadas mediante a concessão forçada de seus dados e aplicativo bancários, mediante as graves ameaças e a coação praticadas pelos criminosos, a acarretar causa intrínseca de inexistência do negócio, por força do previsto nos artigos 151 e seguintes do Código Civil.
E, com o devido respeito, a defesa da instituição bancária em nada afasta tal conclusão, não se constatando a existência de impugnação específica e convincente em relação à inexistência das operações -que, é certo, não partiram da plena e consciente vontade do consumidor. Para além da questão do vício essencial do negócio discutido nos autos, também não se pode olvidar que era dever da instituição bancária detectar as transações suspeitas e tomar providências no sentido de ao menos buscar confirmar sua regularidade ou não, suspendê-las ou mesmo rejeitá-las ou bloqueá-las. Não se considera usual a contratação de vultoso empréstimo por meio eletrônico e a consecutiva e imediata remessa dos valores para contas de pessoas físicas não previamente cadastradas.
Ora, respeitados os entendimentos em sentido diverso, incumbia à requerida (e dela se esperava) realizar controle mínimo do perfil de utilização regular de seus serviços pelos clientes, devendo ela ter se cercado dos cuidados necessários; isso permitiria, no caso em análise, a suspensão das operações suspeitas (vale reforçar: algumas em elevado valor, realizadas em contexto deveras suspeito e em curto intervalo de tempo), até que estas fossem confirmadas ou rechaçadas diretamente com o titular da conta por algum meio confiável (ligação telefônica, preenchimento de “token”, duplo fator de autenticação “2FA”, mensagem de texto ou equivalente).
A respeito da verificação do perfil de utilização do correntista, confira-se o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS. DEVER DE SEGURANÇA. FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIRO. CONTRATAÇÃO DE MÚTUO. MOVIMENTAÇÕES ATÍPICAS E ALHEIAS AO PADRÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Ação declaratória de inexistência de débitos, ajuizada em 14/8/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 21/6/2022 e concluso ao gabinete em 17/2/2023. 2. O propósito recursal consiste em decidir (I) se a instituição financeira responde objetivamente por falha na prestação de serviços bancários, consistente na contratação de empréstimo realizada por estelionatário; e (II) se possui o dever de identificar e impedir movimentações financeiras que destoam do perfil do consumidor. 3. O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial, sendo dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar fraudes perpetradas por terceiros, independentemente de qualquer ato dos consumidores. 4. A instituição financeira, ao possibilitar a contratação de serviços de maneira facilitada, por intermédio de redes sociais e aplicativos, tem o dever de desenvolver mecanismos de segurança que identifiquem e obstem movimentações que destoam do perfil do consumidor, notadamente em relação a valores, frequência e objeto. 5. Como consequência, a ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações atípicas e que aparentam ilegalidade corresponde a defeito na prestação de serviço, capaz de gerar a responsabilidade objetiva por parte da instituição financeira. 6. Entendimento em conformidade com Tema Repetitivo 466/STJ e Súmula 479/STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. 7. Idêntica lógica se aplica à hipótese em que o falsário, passando-se por funcionário da instituição financeira e após ter instruído o consumidor a aumentar o limite de suas transações, contrata mútuo com o banco e, na mesma data, vale-se do alto montante contratado e dos demais valores em conta corrente para quitar obrigações relacionadas, majoritariamente, a débitos fiscais de ente federativo diverso daquele em que domiciliado o consumidor. 8. Na hipótese, inclusive, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa (75 anos -imigrante digital), razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável. 9. Recurso especial conhecido e provido para declarar a inexigibilidade das transações bancárias não reconhecidas pelos consumidores e condenar o recorrido a restituir o montante previamente existente em conta bancária, devidamente atualizado. (REsp n. 2.052.228/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023.)
Vale reforçar: enquanto instituição que exerce profissionalmente a atividade de fornecimento de serviços relacionados ao sistema bancário, deve a requerida se cercar dos cuidados necessários para reforçar a confiabilidade de sua atuação, especialmente em atendimento às normas de segurança, controle interno e prevenção de crimes financeiros aplicáveis ao seu negócio -em especial a Resolução CMN 4968/2021.
Conforme o artigo 5º do ato normativo mencionado, os sistemas de controle interno das instituições financeiras e de pagamento devem prever aspectos relacionados à “identificação e à avaliação de riscos” (inciso II), incluindo a “análise do potencial de ocorrência de fraudes nas atividades desenvolvidas em todos os níveis de negócios” (alínea “d”), além de “controles para prevenção, detecção, investigação e correção de fraudes” (inciso III, alínea “k”).
Diante de todo este contexto, seria inviável reconhecer a culpa exclusiva de terceiro pelo ocorrido como forma de eximir o banco de responsabilidade, pois incumbia ao fornecedor -que, além de tudo, possui inegável poderio técnico e financeiro -dispor de meios tecnológicos e investir no aperfeiçoamento dos mecanismos já existentes, a fim de garantir a seus usuários uma experiência melhor e mais segura, atuando no sentido de evitar ou ao menos mitigar os danos sofridos pelos consumidores (“duty to mitigate the loss”) -conduta que não se verificou no caso concreto. É o que se tem visto nos dias atuais, em que, a fim de cumprirem adequadamente seu papel no mercado e na sociedade, as instituições bancárias -cientes de sua responsabilidade, principalmente como consequência da jurisprudência formada nos Tribunais pátrios -têm adotado, sob a regulamentação do Banco Central do Brasil, limites de utilização em determinados dias e horários e meios de suspensão de transações suspeitas e confirmação direta junto ao consumidor por vias mais confiáveis (mensagem de texto, notificação por aplicativo ou mesmo ligação telefônica).
Restou configurada, assim, a “culpa in omittendo” e “in vigilando”, a ensejar o reconhecimento da responsabilidade objetiva do banco, como bem declarado em primeiro grau.
No mesmo sentido, a jurisprudência desta E. Corte em casos semelhantes:
Ação declaratória de inexigibilidade de débito c.c. danos morais Sequestro relâmpago do autor em via pública Realização de empréstimos bancários e transferências via pix através de aplicativo do banco instalado no aparelho celular e utilização de senha pessoal do autor Sentença de improcedência Descabimento Aplicação da legislação consumerista (súmula 297 do STJ) Requerida não se desincumbiu do ônus de comprovar a adoção de cautelas para coibir a contratação de empréstimos e transferências bancárias incompatíveis como o padrão de consumo e perfil do autor (art. 6º, VIII, do CDC) Nulidade dos contratos de empréstimos e inexigibilidade das prestações correlatas reconhecida Prejuízo decorrente dos valores provenientes das contratações fraudulentas transferidas via Pix para terceiros que deverá ser suportado pelo banco réu, cabendo ao autor tão somente restituir a quantia que permaneceu em sua conta bancária -(…). (Apelação Cível 1013664-78.2022.8.26.0562; Relator: Francisco Giaquinto; 13ª Câmara de Direito Privado; Julgamento: 31/08/2023)
RESPONSABILIDADE CIVIL -Instituição financeira Assalto/ sequestro relâmpago -Presença responsabilidade do banco pela transação indevida -Desrespeito ao perfil do correntista Defeito na prestação do serviço -Ocorrência de nexo de causalidade entre a conduta do banco e o dano sofrido pelo autor, mesmo tendo em vista que o fato ocorreu por culpa de terceiro -Ação procedente em parte -Recurso não provido. (Apelação Cível 107011593.2018.8.26.0100; Relatora: Maia da Rocha; 21ª Câmara de Direito Privado; Julgamento: 13/12/2019)
RESPONSABILIDADE CIVIL -SEQUESTRO-RELÂMPAGO (EXTORSÃO) -Pretensão de reforma da r. sentença que julgou procedente pedidos de indenização por dano moral e por danos materiais, e pedido de anulação de negócio jurídico -Descabimento Autora que foi abordada em via pública e coagida ao saque e à celebração de contrato de empréstimo em caixa eletrônico e caixa físico -Responsabilidade objetiva do agente financeiro (CDC, art. 14), pelo risco da atividade que desempenha (CC, art. 927, par. único), por inobservância ao dever de segurança e pela má prestação dos serviços bancários -Danos materiais decorrentes dos saques fraudulentos e da contratação coagida de empréstimo consignado (…) Sentença de primeiro grau integralmente mantida -RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível 1061185-57.2016.8.26.0100; Relatora: Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca; 13ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 12/04/2018)
Confira-se, ainda, o recente julgado desta c. Câmara: (…) APELAÇÃO CÍVEL. Ação declaratória de inexigibilidade de dívida cumulada com pedido de indenização por danos morais. Sentença que julgou parcialmente procedente a demanda para declarar a inexigibilidade das operações bancárias no total de R$ 9.850,00, afastando a pretensão de reparação por danos morais. Insurgência de ambas as partes. Responsabilidade civil. Relação negocial regida pelo CDC, aplicável conforme Súmula nº 297 do STJ. Na peculiar circunstância dos autos, verifica-se que o autor teria entregue seu cartão a terceiro, por motivo de fraude, e que compras não reconhecidas foram efetivadas, conforme narrado pelo suplicante em boletim de ocorrência policial. (…). Deste modo, o autor acabou sendo vítima de um golpe, tendo seu cartão utilizado por terceiro estelionatário que efetuou dois saques no valor de R$ 4.900,00, cada, e um no valor de R$ 50,00, via mercado pago. O que se tem dos autos é que o réu não trouxe elemento concreto que pudesse comprovar ter se cercado das cautelas necessárias para bloquear o uso fraudulento do cartão, posto que as operações impugnadas fugiram muito do perfil de utilização de consumo do correntista, consoante se infere dos extratos de movimentação financeira juntados pelo próprio réu às fls. 122/145, não havendo, portanto, como excluir sua responsabilidade pelo ocorrido. Com efeito, (…) é fato incontroverso a realização de operações, de altíssimos valores, totalmente fora do perfil de compras do consumidor, conforme se verifica das transações indicadas no extrato de fls. 24/25. O réu deveria ter contatado o autor, via ligação ou mensagem, para confirmar se as compras estavam sendo realizadas por ele, notadamente ante a discrepância do padrão de consumo, a fim de descartar a ocorrência de ilícito, evitando assim prejuízo a si próprio e ao demandante. Sem que a parte ré tenha se desincumbido do ônus probatório acerca da inexistência de falha na segurança no caso concreto, é de rigor que venha a ressarcir o suplicante pelos prejuízos materiais sofridos. Declaração de inexigibilidade que se impõe. Situação, todavia, que não configura dano moral indenizável, posto que a questão aqui discutida não ganhou caráter público, conquanto não houve lançamento do nome do autor em cadastros de inadimplentes. Ademais, não há como negar a contribuição culposa do autor para a ocorrência do evento danoso. Sentença confirmada. Aplicação do artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recursos não providos. (Apelação Cível 1013431-67.2022.8.26.0405; Relator: Helio Faria; 18ª Câmara de Direito Privado; Julgamento: 13/06/2023)
Considerando o acima exposto, de rigor a manutenção da condenação da ora apelante em relação ao pedido declaratório e, em consequência, ao pleito de ressarcimento dos valores pagos pelo apelado em relação aos valores declarados inexistentes, nos moldes já determinados na r. sentença. Pela manutenção do julgado, fica ainda majorada a honorária sucumbencial devida, por força do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil, Frise-se, para se evitarem incidentes desnecessários, que não está o órgão julgador obrigado a tecer considerações acerca de toda a argumentação deduzida pelas partes, senão a decidir e dar os fundamentos, o caminho percorrido pelo seu intelecto, para chegar à solução encontrada, o que se verificou no caso concreto. Vale consignar, ainda, que para acesso às instâncias extraordinárias, prescindível a expressa menção a todos os preceitos legais deduzidos pelas partes, sendo pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais bastando que a questão posta tenha sido decidida” (ED em RMS nº 18205-SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 18/04/2006).
Portanto, nega-se provimento ao recurso.
SERGIO GOMES Relator
Apelação Cível nº 1057631-62.2022.8.26.0114 -Voto nº 51894
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