TJSP mantém condenação de Banco

O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu manter a sentença que condenou o Banco do Brasil a reembolsar consumidor sequestrado.

Por Sidval Oliveira, Sidval Oliveira Advocacia (SOA)
14 de março de 24 | Tempo de leitura: 5 min

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O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, por maioria de votos, manter a sentença que julgou procedente em parte a ação de declaratória de inexistência de débito, movida por consumidor contra o Banco do Brasil S/A. A decisão, baseada nos princípios do Código de Defesa do Consumidor e na jurisprudência consolidada, reconhece a falha na prestação de serviços bancários e a responsabilidade civil da instituição financeira diante de transações fraudulentas ocorridas durante um sequestro relâmpago.

Reconhecimento de Falha na Prestação de Serviços Bancários e Responsabilidade Civil

No caso em questão, o consumidor foi vítima de um sequestro relâmpago em São Paulo, durante o qual foi coagido a realizar diversas transações bancárias, incluindo a contratação de empréstimos e transferências de valores para terceiros. O consumidor argumentou que tais transações foram realizadas sob coação e que o Banco do Brasil, ao não adotar medidas adequadas de segurança, permitiu que tais operações fossem efetuadas.

O Tribunal, ao analisar o caso, destacou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às instituições financeiras, conforme consagrado na Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, reconheceu a existência de uma relação consumerista entre o cliente e o banco, exigindo deste último o dever de garantir a segurança e a integridade das transações realizadas pelos consumidores.

A responsabilidade objetiva do banco foi sustentada com base nos artigos 4º, 6º e 14 do CDC, os quais estabelecem o dever de segurança, a proteção contra práticas abusivas e a responsabilidade por defeitos na prestação de serviços. O Tribunal ressaltou que a ausência de procedimentos de verificação e aprovação para transações atípicas e suspeitas configura uma falha na prestação de serviço, passível de gerar responsabilidade civil por parte da instituição financeira.

Segundo o Desembargador Relator:

Ora, respeitados os entendimentos em sentido diverso, incumbia  à requerida (e dela se esperava) realizar controle mínimo do perfil de utilização  regular de seus serviços pelos clientes, devendo ela ter se cercado dos cuidados  necessários; isso permitiria, no caso em análise, a suspensão das operações suspeitas  (vale reforçar: algumas em elevado valor, realizadas em contexto deveras suspeito e  em curto intervalo de tempo), até que estas fossem confirmadas ou rechaçadas  diretamente com o titular da conta por algum meio confiável (ligação telefônica,  preenchimento de “token”, duplo fator de autenticação “2FA”, mensagem de texto ou  equivalente).

Decisão e Implicações

Diante das evidências apresentadas, o Tribunal decidiu por negar provimento ao recurso interposto pelo Banco do Brasil S/A, mantendo a sentença de primeira instância que reconheceu a inexistência dos débitos contestados pelo Consumidor. Além disso, o banco foi condenado a restituir os valores eventualmente descontados e a arcar com as custas processuais e honorários advocatícios.

Essa decisão reforça a responsabilidade das instituições financeiras na proteção dos clientes contra fraudes e transações indevidas, estabelecendo parâmetros claros para a prestação de serviços bancários seguros e transparentes.

A defesa do Consumidor Autor foi feita pela advogado Sidval Oliveira

 

 

ACÓRDÃO   

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº  1057631-62.2022.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante BANCO  DO BRASIL S/A, é apelado GJGC. 

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito  Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:

Por  maioria de votos, em julgamento proferido nos termos do Art. 942 e §1º do  CPC, negaram provimento ao recurso, na forma do voto do Relator. Vencidos o  3º Desembargador, que declara, e o 4º Desembargador., de conformidade com o  voto do relator, que integra este acórdão. 

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ISRAEL GÓES  DOS ANJOS (Presidente), HENRIQUE RODRIGUERO CLAVISIO, HELIO  FARIA E ERNANI DESCO FILHO.   

São Paulo, 31 de janeiro de 2024.   

SERGIO GOMES  Relator(a)     PODER JUDICIÁRIO  TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO   APELAÇÃO 1057631-62.2022.8.26.0114  COMARCA DE CAMPINAS  APELANTE: BANCO DO BRASIL S/A  APELADO: GJGC 

VOTO 51894 

APELAÇÃO – AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE  INEXISTÊNCIA DE DÉBITO “SEQUESTRORELÂMPAGO” -SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM  PARTE.  

1. DIREITO CIVIL -Atos praticados pelo consumidor sob  coação de criminosos -Configurado o vício sobre requisito  essencial de existência dos atos jurídicos objeto da demanda Efetiva  ausência de declaração válida de vontade do consumidor  nas transações efetuadas sob o domínio de sequestradores Doutrina  e jurisprudência.  

2. RESPONSABILIDADE CIVIL -Falha na prestação do  serviço configurada -Artigos 4º (caput e “d”), 6º e 14 (§ 1º) do  CDC -“O dever de segurança é noção que abrange tanto a  integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial, sendo dever da instituição financeira verificar a  regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos  consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar  fraudes perpetradas por terceiros, independentemente de  qualquer ato dos consumidores. (…) Como consequência, a  ausência de procedimentos de verificação e aprovação para  transações atípicas e que aparentam ilegalidade corresponde a  defeito na prestação de serviço, capaz de gerar a  responsabilidade objetiva por parte da instituição financeira”  (Superior Tribunal de Justiça, REsp 2.052.228/DF, j.  15/09/2023) -Em que pese não seja a instituição bancária  responsável pelo crime do qual foi vítima o autor, restou  evidenciada sua culpa ao não garantir o zelo pelo patrimônio  confiado à sua custódia -Teoria da confiança e justa expectativa  do consumidor -Diante das peculiaridades do caso concreto,  havia a necessidade de prévia verificação da regularidade das  operações diretamente com o consumidor, sem o que não  poderiam ter sido liberadas -Responsabilidade objetiva  configurada -Desatenção ao previsto na Resolução CMN  4968/2021 acerca dos sistemas de controle interno para  avaliação de riscos e prevenção de fraudes nas transações  bancárias em geral -Culpa “in omittendo” e “in vigilando” Jurisprudência  do STJ, do TJSP e precedentes desta c. Câmara  Restituição mantida nos moldes definidos na origem.  SENTENÇA MANTIDA -RECURSO DESPROVIDO.  

Cuida-se de recurso de apelação interposto por BANCO DO BRASIL S/A contra a r. sentença de fls. 360/365, cujo relatório se adota em  complemento, na qual julgados procedentes em parte os pedidos formulados por  GJGC em ação declaratória, nos seguintes termos:   (a) DECLARO a inexigibilidade dos empréstimos nos valores de R$ 74.400,00  (setenta e quatro mil e quatrocentos reais), referente ao CDC nº 9880711737 e R$  7.169,61 (sete mil cento e sessenta e nove reais e sessenta e um centavos), relativo  ao Contrato BB Crédito 13º Salário nº 12083987), além de transferências PIXs nos  valores de R$ 3.000,00 (três mil reais), R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e R$  5.000,00 (cinco mil reais). (b) CONDENO o Réu a restituir ao Autor os valores de  eventuais taxas e impostos descontados relativos às operações declaradas  inexigíveis, bem como as parcelas dos empréstimos que tenham sido descontadas do  correntista, podendo o Demandado compensar tais valores com a quantia a ser  restituída por aquele, que permaneceu depositada na conta bancária e não foi alvo  de transferência a terceiros. Em razão da sucumbência, CONDENO a parte Ré ao  pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios, que arbitro em 10% do  valor do proveito econômico obtido pelo Autor (somatória dos valores dos  empréstimos declarados inexigíveis).  

Alega a parte requerida, em síntese, que: não se aplica ao caso a  inversão do ônus da prova; não tem responsabilidade com o ocorrido, pois trata-se de  um golpe praticado por terceiros (fortuito externo), o que envolve questões de  segurança pública alheias à sua atividade; afirma que as transações realizadas são  legitimas, visto que foram realizadas por meio do próprio cartão de crédito do autor,  mediante a uso do chip com senha pessoal ou aproximação, não tendo o que se falar  em falha na prestação de serviço ou ilegalidade em sua conduta; não teve nenhuma  conduta que gerasse o nexo causal com os danos alegados, também carentes de  comprovação (fls. 368/382). 

Recurso tempestivo, preparado e contrarrazoado (fls. 388/400).   

É O RELATÓRIO.   

O recurso não comporta provimento.    

Em primeiro lugar, impende consignar a aplicação, ao caso  concreto, das disposições do Código de Defesa do Consumidor, pois a questão se  refere ao fornecimento de serviços junto ao mercado de consumo, sustentando a parte  requerente, que é cliente do banco, ter sido vítima de uma falha deste na prestação  dos serviços contratados, em especial no tocante à segurança de seus sistemas. É esse   o entendimento há muito consolidado na Súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa  do Consumidor é aplicável às instituições  financeiras”.

A causa de pedir envolve a realização de diversas transações  bancárias, pelo apelado, sob coação de criminosos, quando vitimado por sequestro  relâmpago. Alega ter sido obrigado a contrair empréstimo por meio de aplicativo  móvel e a transferir valores a contas de terceiros.

Alegou que, ao autorizar as transações de valores elevados e fora  do seu perfil de consumo regular, o banco não garantiu a segurança dele esperada,  não se certificando da autenticidade das operações e mostrando a fragilidade dos  sistemas de controle interno, a permitir com que o crime se concretizasse, o que  culminou em prejuízos financeiros de elevada monta ao correntista.

No caso concreto, nota-se que a relação entre as partes é  incontroversa, bem como a ocorrência das transações contestadas (empréstimos e  transferências realizadas pelos sequestradores), bem quantificadas pelo MM. Juiz de  Direito.   Tem-se, ainda, o documento a comprovar que, na sequência dos  fatos, o apelado procurou instituição bancária e formalizou o pedido de ressarcimento  das transações efetivadas, obtendo, contudo, resposta negativa, ao argumento de que  os fatos não seriam de responsabilidade do banco, mas sim uma situação de  segurança pública, narrativa esta também exposta nos autos do processo.

Diante desses motivos e mesmo considerando aqueles deduzidos  na peça de defesa da instituição bancária, reconheceu o d. Juízo “a quo” a  responsabilidade objetiva por fortuito interno configurado na inércia da requerida, a  indicar culpa “in omittendo” e “in vigilando”, e um serviço defeituoso, nos termos do § 1º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.   Pois bem. 

Deve ser ponderado, de início, que não se está aqui a  responsabilizar a instituição bancária por uma situação que estivesse totalmente fora  de seu controle. 

Pelo contrário, não obstante seja inegável a ocorrência de um  fato lamentável configurado no crime do qual o apelado foi vítima (que decorre da  insegurança vivenciada pelo cidadão comum), é certo que incumbia à fornecedora  dos serviços bancários garantir mecanismos preventivos, no sentido de evitar que  terceiros realizassem transações indevidas envolvendo vultosos valores de seu  cliente. 

Não é demais salientar que estes valores -em regra, fruto de  trabalho do cidadão e destinados ao sustento seu e de sua família -são postos sob a  custódia do banco justamente por dele se esperar confiabilidade e segurança,  especialmente quando se trata de uma instituição de renome, como é o caso do  apelante.

Acerca da confiança como fundamento contratual de caráter  vinculante, apto a trazer legítima expectativa de direito aos contratantes, Judith  Martins-Costa elucida, com acuidade, que:   “(…) no negócio jurídico, expresso em declarações negociais e em  comportamentos concludentes, confiança e autonomia privada se  unem de modo dinâmico, de tal sorte a provocar, por suas forças  mutuamente implicadas, uma potencialização de suas respectivas  eficácias jurídicas. É que, se por um lado a confiança é um dos  fundamentos dos negócios jurídicos, por outro a constituição de uma  relação de confiança se realça quando vinculada a uma declaração  negocial. A manifestação negocial, assim, constitui a confiança  legítima, ao mesmo tempo em que o negócio jurídico se fundamenta  na confiança gerada pela declaração.” (A boa-fé no direito privado critérios  para sua aplicação. 2ª ed, são Paulo: Saraiva Educação, 2018,  p. 252)

Portanto, muito embora o banco requerido defenda a total  ausência de responsabilidade de sua parte e a culpa exclusiva de terceiros pelo  ocorrido, é sabido que fraudes dessa natureza são praticadas por verdadeiros  especialistas que se aproveitam de brechas nos sistemas de segurança dos bancos  para concretizar transações fraudulentas das mais variadas, lesando diretamente os  consumidores do serviço.  

E a instituição bancária não poderia ficar inerte frente a tal  situação, incumbindo a ela, ao disponibilizar seus serviços no mercado de consumo,  garantir sua segurança, o que encontra amparo na legislação consumerista vigente,  em especial no artigo 4º, caput e alínea “d” (que colocam a segurança de produtos e  serviços como um dos objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo), no  artigo 6º (que trata a “segurança contra os riscos provocados por práticas no  fornecimento de produtos e serviços” como um direito básico do consumidor) e no  artigo 14, § 1º (a tratar sobre defeito no produto ou serviço, quando este “não oferece  a segurança que dele legitimamente se espera”).   

Ademais, é certo que a exteriorização de uma declaração válida  de vontade é elemento essencial do qual depende a própria existência de uma relação  jurídica.   

Nesse sentido, a doutrina:   “Os requisitos de existência do negócio jurídico são os seus  elementos estruturais, sendo que não há uniformidade, entre os  autores, sobre a sua enumeração. Preferimos dizer que são os  seguintes: a declaração de vontade, a finalidade negocial e a  idoneidade do objeto. Faltando qualquer deles, o negócio é  inexistente.   A vontade é pressuposto básico do negócio jurídico e é  imprescindível que se exteriorize. Do ponto de vista do direito,  somente vontade que se exterioriza é considerada suficiente para  compor suporte fático de negócio jurídico. A vontade que permanece  interna, como acontece como a reserva mental, não serve a esse  desiderato, pois que de difícil, senão impossível, apuração. A  declaração de vontade é assim, o instrumento de manifestação de  vontade […]” (GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro -Parte Geral; 9ª edição; São Paulo; Saraiva; 2011; p. 350)  

E a jurisprudência:   DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO  CONTRATUAL -Bancário -Extorsão mediante sequestro -(…) Falta  de segurança -Ocorrência Contratação de empréstimo consignado Inexistência  -(…) Correntista idosa que foi abordada em via pública e  coagida a efetuar saque de vultosa quantia, além da contratação de  empréstimo consignado, em terminal de autoatendimento, sem que  tenha observado a instituição financeira os deveres de cuidado e  segurança, ínsitos à prestação de seus serviços, a contribuir  decisivamente para o exaurimento do crime. Ausência de  manifestação de vontade livre e espontânea a tornar inexistente o  negócio jurídico em questão, e impor a inexigibilidade da  contraprestação financeira dele decorrente. REPETIÇÃO DE  INDEBITO Extorsão mediante sequestro-Contrato de mútuo  inexistente-Descontos indevidos sobre benefício previdenciário  Existência -Pagamento em dobro Necessidade-Inteligência do  artigo 42, parágrafo único, do CPC: Havendo desconto indevido  sobre benefício previdenciário, em razão das parcelas de contrato de  mútuo havido de forma fraudulenta, o banco deverá ressarcir em  dobro a quantia paga indevidamente, à luz do que dispõe o artigo 42,  parágrafo único, do CDC. (…). (Apelação Cível  1000245-64.2021.8.26.0161; Relator: Nelson Jorge Júnior; 13ª  Câmara de Direito Privado; Julgamento: 18/02/2022). 

Dito isso, é certo que tal declaração -que deve ser livre e  espontânea -não ocorreu no caso concreto, porquanto demonstrado pelo apelado que  as operações foram efetuadas mediante a concessão forçada de seus dados e  aplicativo bancários, mediante as graves ameaças e a coação praticadas pelos  criminosos, a acarretar causa intrínseca de inexistência do negócio, por força do  previsto nos artigos 151 e seguintes do Código Civil.   

E, com o devido respeito, a defesa da instituição bancária em  nada afasta tal conclusão, não se constatando a existência de impugnação específica e  convincente em relação à inexistência das operações -que, é certo, não partiram da  plena e consciente vontade do consumidor.   Para além da questão do vício essencial do negócio discutido  nos autos, também não se pode olvidar que era dever da instituição bancária detectar as transações suspeitas e tomar providências no sentido de ao menos buscar  confirmar sua regularidade ou não, suspendê-las ou mesmo rejeitá-las ou bloqueá-las.   Não se considera usual a contratação de vultoso empréstimo por  meio eletrônico e a consecutiva e imediata remessa dos valores para contas de  pessoas físicas não previamente cadastradas.   

Ora, respeitados os entendimentos em sentido diverso, incumbia  à requerida (e dela se esperava) realizar controle mínimo do perfil de utilização  regular de seus serviços pelos clientes, devendo ela ter se cercado dos cuidados  necessários; isso permitiria, no caso em análise, a suspensão das operações suspeitas  (vale reforçar: algumas em elevado valor, realizadas em contexto deveras suspeito e  em curto intervalo de tempo), até que estas fossem confirmadas ou rechaçadas  diretamente com o titular da conta por algum meio confiável (ligação telefônica,  preenchimento de “token”, duplo fator de autenticação “2FA”, mensagem de texto ou  equivalente).

A respeito da verificação do perfil de utilização do correntista,  confira-se o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:   

CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.  AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS. DEVER DE SEGURANÇA. FRAUDE PERPETRADA POR  TERCEIRO. CONTRATAÇÃO DE MÚTUO. MOVIMENTAÇÕES  ATÍPICAS E ALHEIAS AO PADRÃO DE CONSUMO.  RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO  FINANCEIRA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.   1. Ação declaratória de inexistência de débitos, ajuizada em  14/8/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto  em 21/6/2022 e concluso ao gabinete em 17/2/2023.  2. O propósito recursal consiste em decidir (I) se a instituição  financeira responde objetivamente por falha na prestação de serviços  bancários, consistente na contratação de empréstimo realizada por  estelionatário; e (II) se possui o dever de identificar e impedir  movimentações financeiras que destoam do perfil do consumidor.  3. O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade  psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial,  sendo dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores,  desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar fraudes  perpetradas por terceiros, independentemente de qualquer ato  dos consumidores.   4. A instituição financeira, ao possibilitar a contratação de  serviços de maneira facilitada, por intermédio de redes sociais e  aplicativos, tem o dever de desenvolver mecanismos de segurança  que identifiquem e obstem movimentações que destoam do perfil  do consumidor, notadamente em relação a valores, frequência e  objeto.  5. Como consequência, a ausência de procedimentos de  verificação e aprovação para transações atípicas e que aparentam  ilegalidade corresponde a defeito na prestação de serviço, capaz  de gerar a responsabilidade objetiva por parte da instituição  financeira.  6. Entendimento em conformidade com Tema Repetitivo 466/STJ e  Súmula 479/STJ: “As instituições financeiras respondem  objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a  fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações  bancárias”.  7. Idêntica lógica se aplica à hipótese em que o falsário, passando-se  por funcionário da instituição financeira e após ter instruído o  consumidor a aumentar o limite de suas transações, contrata mútuo  com o banco e, na mesma data, vale-se do alto montante contratado e  dos demais valores em conta corrente para quitar obrigações  relacionadas, majoritariamente, a débitos fiscais de ente federativo  diverso daquele em que domiciliado o consumidor.  8. Na hipótese, inclusive, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa  (75 anos -imigrante digital), razão pela qual a imputação de  responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da  Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos  dos Idosos, considerando a sua peculiar situação de consumidor  hipervulnerável.  9. Recurso especial conhecido e provido para declarar a  inexigibilidade das transações bancárias não reconhecidas pelos  consumidores e condenar o recorrido a restituir o montante  previamente existente em conta bancária, devidamente atualizado.  (REsp n. 2.052.228/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira  Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023.)   

Vale reforçar: enquanto instituição que exerce profissionalmente  a atividade de fornecimento de serviços relacionados ao sistema bancário, deve a requerida se cercar dos cuidados necessários para reforçar a confiabilidade de sua  atuação, especialmente em atendimento às normas de segurança, controle interno e  prevenção de crimes financeiros aplicáveis ao seu negócio -em especial a Resolução  CMN 4968/2021.   

Conforme o artigo 5º do ato normativo mencionado, os sistemas  de controle interno das instituições financeiras e de pagamento devem prever  aspectos relacionados à “identificação e à avaliação de riscos” (inciso II), incluindo  a “análise do potencial de ocorrência de fraudes nas atividades desenvolvidas em  todos os níveis de negócios” (alínea “d”), além de “controles para prevenção,  detecção, investigação e correção de fraudes” (inciso III, alínea “k”).   

Diante de todo este contexto, seria inviável reconhecer a culpa  exclusiva de terceiro pelo ocorrido como forma de eximir o banco de  responsabilidade, pois incumbia ao fornecedor -que, além de tudo, possui inegável  poderio técnico e financeiro -dispor de meios tecnológicos e investir no  aperfeiçoamento dos mecanismos já existentes, a fim de garantir a seus usuários uma  experiência melhor e mais segura, atuando no sentido de evitar ou ao menos mitigar  os danos sofridos pelos consumidores (“duty to mitigate the loss”) -conduta que não  se verificou no caso concreto.   É o que se tem visto nos dias atuais, em que, a fim de  cumprirem adequadamente seu papel no mercado e na sociedade, as instituições  bancárias -cientes de sua responsabilidade, principalmente como consequência da  jurisprudência formada nos Tribunais pátrios -têm adotado, sob a regulamentação do  Banco Central do Brasil, limites de utilização em determinados dias e horários e  meios de suspensão de transações suspeitas e confirmação direta junto ao  consumidor por vias mais confiáveis (mensagem de texto, notificação por aplicativo  ou mesmo ligação telefônica).   

Restou configurada, assim, a “culpa in omittendo” e “in  vigilando”, a ensejar o reconhecimento da responsabilidade objetiva do banco, como  bem declarado em primeiro grau.   

No mesmo sentido, a jurisprudência desta E. Corte em casos  semelhantes:   

Ação declaratória de inexigibilidade de débito c.c. danos morais  Sequestro relâmpago do autor em via pública Realização de  empréstimos bancários e transferências via pix através de aplicativo  do banco instalado no aparelho celular e utilização de senha pessoal  do autor Sentença de improcedência Descabimento Aplicação  da legislação consumerista (súmula 297 do STJ) Requerida não se  desincumbiu do ônus de comprovar a adoção de cautelas para coibir a  contratação de empréstimos e transferências bancárias incompatíveis  como o padrão de consumo e perfil do autor (art. 6º, VIII, do CDC)  Nulidade dos contratos de empréstimos e inexigibilidade das  prestações correlatas reconhecida Prejuízo decorrente dos valores  provenientes das contratações fraudulentas transferidas via Pix para  terceiros que deverá ser suportado pelo banco réu, cabendo ao autor  tão somente restituir a quantia que permaneceu em sua conta bancária  -(…). (Apelação Cível 1013664-78.2022.8.26.0562; Relator:  Francisco Giaquinto; 13ª Câmara de Direito Privado; Julgamento:  31/08/2023)   

RESPONSABILIDADE CIVIL -Instituição financeira Assalto/ sequestro relâmpago -Presença responsabilidade do banco  pela transação indevida -Desrespeito ao perfil do correntista Defeito  na prestação do serviço -Ocorrência de nexo de causalidade  entre a conduta do banco e o dano sofrido pelo autor, mesmo tendo  em vista que o fato ocorreu por culpa de terceiro -Ação procedente  em parte -Recurso não provido. (Apelação Cível 107011593.2018.8.26.0100;  Relatora: Maia da Rocha; 21ª Câmara de Direito  Privado; Julgamento: 13/12/2019)   

RESPONSABILIDADE CIVIL -SEQUESTRO-RELÂMPAGO  (EXTORSÃO) -Pretensão de reforma da r. sentença que julgou  procedente pedidos de indenização por dano moral e por danos  materiais, e pedido de anulação de negócio jurídico -Descabimento Autora  que foi abordada em via pública e coagida ao saque e à  celebração de contrato de empréstimo em caixa eletrônico e caixa  físico -Responsabilidade objetiva do agente financeiro (CDC, art.  14), pelo risco da atividade que desempenha (CC, art. 927, par.  único), por inobservância ao dever de segurança e pela má prestação  dos serviços bancários -Danos materiais decorrentes dos saques  fraudulentos e da contratação coagida de empréstimo consignado (…)  Sentença de primeiro grau integralmente mantida -RECURSO  DESPROVIDO. (Apelação Cível 1061185-57.2016.8.26.0100;  Relatora: Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca; 13ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 12/04/2018)   

Confira-se, ainda, o recente julgado desta c. Câmara:   (…) APELAÇÃO CÍVEL. Ação declaratória de inexigibilidade de  dívida cumulada com pedido de indenização por danos morais.  Sentença que julgou parcialmente procedente a demanda para declarar a inexigibilidade das operações bancárias no total de R$  9.850,00, afastando a pretensão de reparação por danos morais.  Insurgência de ambas as partes. Responsabilidade civil. Relação  negocial regida pelo CDC, aplicável conforme Súmula nº 297 do STJ.  Na peculiar circunstância dos autos, verifica-se que o autor teria  entregue seu cartão a terceiro, por motivo de fraude, e que compras  não reconhecidas foram efetivadas, conforme narrado pelo suplicante  em boletim de ocorrência policial. (…). Deste modo, o autor acabou  sendo vítima de um golpe, tendo seu cartão utilizado por terceiro  estelionatário que efetuou dois saques no valor de R$ 4.900,00, cada,  e um no valor de R$ 50,00, via mercado pago. O que se tem dos autos  é que o réu não trouxe elemento concreto que pudesse comprovar ter  se cercado das cautelas necessárias para bloquear o uso fraudulento  do cartão, posto que as operações impugnadas fugiram muito do  perfil de utilização de consumo do correntista, consoante se infere dos  extratos de movimentação financeira juntados pelo próprio réu às fls.  122/145, não havendo, portanto, como excluir sua responsabilidade  pelo ocorrido. Com efeito, (…) é fato incontroverso a realização de  operações, de altíssimos valores, totalmente fora do perfil de compras  do consumidor, conforme se verifica das transações indicadas no  extrato de fls. 24/25. O réu deveria ter contatado o autor, via ligação  ou mensagem, para confirmar se as compras estavam sendo realizadas  por ele, notadamente ante a discrepância do padrão de consumo, a fim  de descartar a ocorrência de ilícito, evitando assim prejuízo a si  próprio e ao demandante. Sem que a parte ré tenha se desincumbido  do ônus probatório acerca da inexistência de falha na segurança no  caso concreto, é de rigor que venha a ressarcir o suplicante pelos  prejuízos materiais sofridos. Declaração de inexigibilidade que se  impõe. Situação, todavia, que não configura dano moral indenizável,  posto que a questão aqui discutida não ganhou caráter público,  conquanto não houve lançamento do nome do autor em cadastros de  inadimplentes. Ademais, não há como negar a contribuição culposa  do autor para a ocorrência do evento danoso. Sentença confirmada.  Aplicação do artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça  do Estado de São Paulo. Recursos não providos. (Apelação Cível  1013431-67.2022.8.26.0405; Relator: Helio Faria; 18ª Câmara de  Direito Privado; Julgamento: 13/06/2023)   

Considerando o acima exposto, de rigor a manutenção da  condenação da ora apelante em relação ao pedido declaratório e, em consequência, ao  pleito de ressarcimento dos valores pagos pelo apelado em relação aos valores  declarados inexistentes, nos moldes já determinados na r. sentença.   Pela manutenção do julgado, fica ainda majorada a honorária  sucumbencial devida, por força do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil,   Frise-se, para se evitarem incidentes desnecessários, que não  está o órgão julgador obrigado a tecer considerações acerca de toda a argumentação  deduzida pelas partes, senão a decidir e dar os fundamentos, o caminho percorrido  pelo seu intelecto, para chegar à solução encontrada, o que se verificou no caso  concreto.   Vale consignar, ainda, que para acesso às instâncias  extraordinárias, prescindível a expressa menção a todos os preceitos legais deduzidos  pelas partes, sendo pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no  sentido de que “tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a citação  numérica dos dispositivos legais bastando que a questão posta tenha sido decidida”  (ED em RMS nº 18205-SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 18/04/2006). 

Portanto, nega-se provimento ao recurso.   

SERGIO GOMES  Relator   

Apelação Cível nº 1057631-62.2022.8.26.0114 -Voto nº 51894   

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