Consumidor deve ser indenizado por demora na entrega de veículo

Por Sidval Oliveira – OAB/SP 168.872

Produto foi entregue sem itens de série.  

A 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, por votação unânime, concessionária de veículos e montadora a indenizarem, por danos morais, consumidor que demorou mais de seis meses para receber automóvel comprado à vista e que foi entregue sem os acessórios de série à época da formalização do pedido de compra.

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O valor da reparação foi fixado em R$ 5 mil.

Em primeira instância, a juíza Ana Lucia Fusaro, da 2ª Vara Cível de São Caetano do Sul, já havia determinado que as rés instalassem, no prazo de 30 dias, os acessórios faltantes, sob pena de multa diária de R$ 500, até o limite do valor do veículo.

De acordo com os autos, o consumidor adquiriu junto à concessionária ré um automóvel na categoria Pessoa com Deficiência, pago à vista. A aquisição foi feita em maio, com promessa de entrega do bem no prazo de 90 a 120 dias.

Porém, o veículo só foi entregue em dezembro, mais de 200 dias após a venda, sem os itens que, à época da compra, eram de série e que foram tirados da categoria em julho do mesmo ano.

Para o relator do recurso, desembargador Sergio Alfieri, além de haver falha no dever de informação do autor a respeito da retirada dos itens básicos que compunham o veículo adquirido, as rés foram abusivas ao condicionar o início do prazo de entrega do veículo à ocorrência do faturamento, e não à formalização do pedido de compra. Dessa forma, o dano moral é devido.

“Reconhecidas as irregularidades cometidas, é forçoso concluir que os contratempos experimentados pelo autor em muito superaram os meros dissabores próprios da vida em sociedade, pois, quando da compra de um veículo zero quilômetro, o consumidor naturalmente confia que ele será entregue tempestivamente e da forma inicialmente acordada, planejando a própria vida de modo correspondente”, escreveu.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Milton Carvalho e Jayme Queiroz Lopes.

Apelação nº 1002164-11.2019.8.26.0565

Fonte: TJSP

Leia íntegra do acórdão abaixo:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002164-11.2019.8.26.0565

VOTO Nº 8081

APELAÇÃO. Compra e venda de veículo zero quilômetro por pessoa com deficiência. Ação de obrigação de fazer c. c. indenização por danos material e moral, com pedido julgado parcialmente procedente. Recursos de uma das corrés e do autor.
Consumidor que firmou negócio com a promessa de receber o automóvel em até 120 dias. Entrega do bem depois de mais de 200 dias, e desprovido de acessórios que eram de série à época da formalização do pedido de compra. Rés que não comprovaram ter informado o consumidor a respeito da não inclusão dos itens de série no veículo vendido. Obrigação de instalarem os acessórios que deve ser reconhecida. Multa cominatória adequadamente fixada. Dano moral configurado. Arbitramento da indenização respectiva em R$ 5.000,00. Dano material não demonstrado, uma vez que a nota fiscal que acompanhou a petição inicial não indica os serviços que foram prestados ao autor.  Documento novo juntado em réplica que não pode ser conhecido, porquanto não foi comprovado nenhum impedimento para sua exibição quando da propositura da demanda. Sucumbência proporcional, devendo ser repartidos por igual os ônus sucumbenciais. Sentença reformada em parte.

RECURSO DA RÉ DESPROVIDO. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.

Trata-se de ação de obrigação de fazer c. c. indenização por danos material e moral ajuizada por V.R.B. contra RENAULT DO BRASIL S/A e AJC VEÍCULOS E SERVIÇOS LTDA., com pedido julgado parcialmente procedente pela r. sentença de fls. 257/262, para “determinar que as rés instalem, no prazo de 30 dias (…), os acessórios descritos no item ‘b’, fls. 55 (tampão do porta-malas, protetor de cárter, rádio, luz do porta-luvas, luzes de leitura internas e ponteira de escape cromada), sob pena de multa diária de R$ 500,00, até o limite do valor do veículo, sem prejuízo de outras sanções legais”. Além disso, em face da sucumbência mínima das corrés, o autor foi condenado com exclusividade a pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.500,00.

A ré RENAULT DO BRASIL S/A interpôs recurso de apelação (fls. 264/273), sustentando, em resumo, que inexistiu ação ou omissão que ensejasse responsabilidade civil de sua parte; que os itens indicados pelo autor são acessórios facultativos do veículo de modelo Captur Life e não constam no pedido de compra; que a aquisição ocorrida consistia em uma pré-venda que não garantia o preço ou as características do bem e permitia até mesmo o cancelamento da operação por não fornecimento do veículo na exata especificação encomendada; que a multa cominatória deve ser afastada ou ter o seu valor reduzido; que o art. 14, § 3º, inciso II, do CDC determina que o fabricante não será responsabilizado quando comprovada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O autor formulou recurso adesivo (fls. 289/308) aduzindo, em suma, que comprovou documentalmente que lhe foi prometido receber o veículo, no máximo, até 120 dias a contar da data do pedido formalizado de compra, ou seja, ao final setembro de 2018; que o documento trazido pela apelada não estipula nenhum prazo de entrega; que o art. 39, XII, do CDC preceitua constituir prática abusiva deixar o fornecedor de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério; que os danos morais suportados decorrem não apenas da demora excessiva na entrega do bem, mas também da falta de itens originalmente de série e da sonegação de informações no momento da compra; que não detinha o documento de fls. 250 quando do ajuizamento da ação, razão pela qual nada impede a sua apreciação pelo julgador; que, na hipótese de a r. sentença não ser modificada no mérito, a sucumbência recíproca deve ser reconhecida, com distribuição proporcional dos ônus respectivos.

Os recursos foram devidamente processados (fls. 278 e 311) e preparados (fls. 274/277, 309/310 e 354/355), no caso do autor com complementação do preparo realizada após determinação deste Relator (fls. 349).

Ambas as partes apresentaram contrarrazões pleiteando o desprovimento dos recursos apresentados (fls. 280/288 e 313/322).

O presente recurso foi distribuído à 36ª Câmara de Direito Privado, a cargo do Desembargador Walter Exner, em 18/05/2020 (fls. 345), e posteriormente redistribuído a este Relator por força da Portaria de Designação nº 08/2021 da E. Presidência da Seção de Direito Privado (fls. 348).

É o relatório.

Primeiramente, em fase de juízo de admissibilidade, constata-se que se encontram presentes os requisitos legais necessários para o processamento dos recursos.

Depreende-se dos autos que o autor adquiriu junto à concessionária ré AJC VEÍCULOS E SERVIÇOS LTDA. um automóvel da marca Renault, modelo Captur Life na categoria Pessoa com Deficiência, ano de fabricação e modelo 2018/2019, pelo valor de R$ 54.136,37, pago à vista.

Em sua petição inicial, o autor alega que a aquisição foi feita em 17 de maio de 2018 (pedido de compra às fls. 64), com promessa de entrega do bem no prazo de 90 a 120 dias, tendo, porém, o veículo somente sido entregue em 05 de dezembro de 2018 (fls. 110), ou seja, mais de 200 dias após a venda, desprovido de itens que, à época da compra, eram de série e foram tidos pelo autor como incluídos no automóvel comprado, a saber, o tampão do porta-malas, o protetor de cárter, o rádio, a luz do porta-luvas, luzes de leitura internas, ponteira de escape cromada e rodas com aro de 17 polegadas.

Isso colocado, pondere-se que a relação jurídica noticiada nos autos é tipicamente de consumo, pois o autor figura como destinatário final do veículo comercializado, o que torna aplicável à espécie a Lei nº 8078/90, a qual estabelece, em seu art. 39, XII, que: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…)
XII -deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério”.

Em sua contestação, a ré RENAULT afirmou que o prazo de entrega do veículo era de aproximadamente 120 dias a contar da data do faturamento, o qual se deu em 20 de novembro de 2018; contudo, observa-se que, desde que foi firmado o negócio em 17 de maio de 2018, com fixação inclusive do preço do bem (fls. 64), o autor ficou à espera de ser chamado para realizar o faturamento, conforme se verifica no conteúdo do e-mail de fls. 96, não impugnado pelas rés e concordante com todos os elementos reunidos nos autos.

Desse modo, percebe-se que, ao condicionar o início do prazo de entrega do veículo à ocorrência do faturamento, deixou-se a fixação do termo inicial do prazo para o cumprimento da obrigação dos  fornecedores ao critério exclusivo destes, o que configura prática abusiva prevista expressamente no Código de Defesa do Consumidor, como visto.

Mas não foi somente essa a irregularidade cometida pelas rés, pois, como bem reconhecido na r. sentença, houve falha no dever de informação do autor a respeito dos itens básicos que compunham o automóvel por ele adquirido.

Com efeito, dessume-se das imagens contidas no corpo da inicial (fls. 19/23), referentes a reclamações de consumidores e respostas elaboradas pela própria ré RENAULT na internet, que, no final do mês de junho de 2018, os itens tampão de porta-malas, protetor de cárter, rádio, luz do porta-luvas, luz de leitura e ponteira cromada do escapamento foram retirados da lista de acessórios de série do modelo Captur Life.

A realidade dessas informações, além de fortalecida pelo reconhecimento da ré RENAULT da exclusão de objetos da lista de itens de série em e-mail enviado ao autor (fls. 97), não foi impugnada pelas rés, nem tampouco foi comprovada por elas a comunicação, antes da celebração do negócio, da futura diminuição dos itens de série do automóvel.

Assim, sendo as corrés responsáveis solidariamente por tal disparidade nas características do produto, nos termos do caput do art. 18 do CDC1, não é o caso de alterar a condenação delas a instalarem, no prazo de 30 dias, os acessórios indicados na r. sentença (tampão do porta-malas, protetor de cárter, rádio, luz do porta-luvas, luzes de leitura internas e ponteira de escape cromada), nem tampouco de afastar ou reduzir a multa cominatória adequadamente arbitrada em R$ 500,00 por dia, até o limite do valor do veículo.

Reconhecidas as irregularidades cometidas, é forçoso concluir que os contratempos experimentados pelo autor em muito superaram os meros dissabores próprios da vida em sociedade, pois, quando da compra de um veículo zero quilômetro, o consumidor naturalmente confia que ele será entregue tempestivamente e da forma inicialmente acordada, planejando a própria vida de modo correspondente.

Constatado o dano moral, resta a questão do dimensionamento da indenização. Apesar da natural dificuldade de tal tarefa, sabe-se que o quantum indenizatório deve guardar relação com o resultado naturalístico ocorrido, de modo a ser razoavelmente expressivo, sem que seja fonte de enriquecimento (Apelação Cível 253.723-1, Des. José Osório, JTJ-Lex 199/59).

Na hipótese dos autos, os elementos do caso concreto tornam adequado e proporcional que a indenização devida solidariamente pelas rés em razão da lesão anímica causada seja fixada no valor de R$5.000,00, com correção monetária desde o arbitramento e juros de mora de 1% ao mês a contar da primeira citação.

Quanto ao dano material alegado, consigne-se que a lista de serviços executados de fls. 250, no qual constam apenas as datas de 17 e 22 de dezembro de 2018, foi juntada apenas em réplica, sem que o autor comprovasse se tratar de um documento novo ou ter sofrido algum impedimento para exibi-lo junto da petição inicial, o que impossibilita a sua apreciação pelo julgador (art. 435 do CPC2).

Nesse contexto, tendo a petição inicial sido acompanhada apenas da nota fiscal de fls. 112, que não descreve nem individualiza os variados serviços que lhe foram prestados, o autor não se desincumbiu do ônus da prova que lhe cabia (art. 373, I, do CPC), sendo de rigor julgar improcedente o pedido indenizatório.

Por fim, em face da sucumbência recíproca das partes, é necessário dividir por igual (50%) os ônus sucumbenciais, que incluem custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes últimos arbitrados no montante de R$ 1.500,00 tanto em favor da patrona do autor, quanto em benefício dos advogados das rés.

Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ RENAULT DO BRASIL S/A, mantendo-se a condenação das rés na obrigação de fazer consistente em instalar os acessórios do veículo indicados na r. sentença. Por sua vez, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR para condenar as rés, solidariamente, ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00, com correção monetária desde o arbitramento e juros de mora de 1% ao mês a contar da primeira citação, reconhecendo-se a sucumbência proporcional.

SERGIO ALFIERI Relator

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Advogado – OAB/SP 168.872. Especialista em Direito Imobiliário. Foi vice-presidente da Comissão de Direito de Família e membro da Comissão do Consumidor da OAB/Campinas e membro da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONTRIBUINTES – ABCONT.

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