2ª Vara Cível de Campinas julga procedente ação contra Banco no golpe do motoboy

Por Sidval OliveiraOAB/SP 168.872
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Causa defendida pelo advogado Sidval Oliveira.

Nos últimos meses, comentamos sobre as recentes decisões em processos denominados “golpe do motoboy”, especialmente o processo nº 1003306-74.2021.8.26.0114, em trâmite na 2ª Vara Cível de Campinas, com a liminar concedida suspendendo operações no cartão de crédito.

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Os advogados do Banco recorreram (agravo de instrumento) da decisão para o Tribunal de Justiça de São Paulo descrevendo a ausência dos requisitos para o deferimento da tutela de urgência (liminar) e ainda questionaram o arbitramento da multa de R$ 5.000,00, por descumprimento.

No entanto, o recurso de agravo de instrumento aguarda julgamento, mas a liminar foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

O PROCESSO

Antes da decisão do recurso do agravo de instrumento, a 2ª Vara Cível de Campinas julgou procedente o processo com a condenação do Banco declarando a inexigibilidade dos débitos em conta corrente e no cartão de crédito, com a devolução de eventuais encargos bancários lançados na fatura do cartão de crédito:

“…Assim, os valores gastos pelos fraudadores em XX/XX/XXXX tornam-se expressivos em relação aos gastos comuns do autor, além disso, foram cinco compras realizadas junto ao mesmo estabelecimento de lanches, no mesmo dia, em valores próximos a mil reais cada (fls. 36) o que, por si só, já seria suficiente para suscitar atenção.
Da mesma forma, os gastos realizados no cartão de débito também levantariam suspeita, uma vez que destoam do perfil do consumidor (XXXXXXXXXXXX) e foram realizados no intervalo de um minuto entre eles (fls. 30) ….”

O ponto crucial do pedido foi a definição da culpa do banco por falha de segurança nas informações sigilosas a disposição dos criminosos.

Veja mais abaixo:

Sem prejuízo, ainda que o autor tenha fornecido seu cartão e senha para pessoa que acreditava ser funcionário do réu, somente o fez porque o fraudador tinha conhecimento de seus dados pessoais e bancários, denotando que foram extraídos do sistema bancário de cadastros, por falha de segurança do requerido.

Como o Tribunal de Apelação (TJSP) tem uma pequena divergência sobre o assunto, é possível que o banco ainda recorrerá da decisão.

Além disso, a tese da ponderação bancária e apreciação da tese do processamento do pagamento devem ser reforçadas.

Claro, deve ser lembrado a possibilidade do bloqueio dos pagamentos das compras indevidas de imediato junto as empresas de processamento – que não são automáticos (conciliação de vendas), bem como a confirmação posterior por telefone do objeto do contrato, condições e formas de pagamento. O que jamais foi feito.

É necessário impugnar o eventual recurso de apelação para evitar verdadeiras injustiças.

Segue integra da sentença:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA DE CAMPINAS
FORO DE CAMPINAS
2ª VARA CÍVEL
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1003306-74.2021.8.26.0114
Classe -Assunto Procedimento Comum Cível -Defeito, nulidade ou anulação
Requerente: L.E.E.D.A.
Requerido: B.D.B.S.A

Vistos.

L.E.E.D.A, qualificado nos autos ajuizou AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO, COM TUTELA DE URGÊNCIA em face de B.D.B.S.A, igualmente qualificado alegando, em suma, que em 04/01/2021 recebeu ligação telefônica de pessoa se passando por funcionário do banco réu, informando utilização indevida de seu cartão de crédito. Alega que referida pessoa possuía todos seus dados pessoais, além de número do seu cartão e da conta corrente, com respectiva
bandeira, média de consumo das faturas e limites. Foi orientado a entregar o cartão a terceiro, para o devido cancelamento, o que fez. Então, descobriu junto ao gerente de sua conta que se tratava de fraude. Alega que o banco se recusa a cancelar as compras efetuadas pelo fraudador. Requer, em tutela de urgência, que o banco réu de abstenha de cobrar os valores impugnados e, a final, seja declarada a inexigibilidade do débito impugnado de R$9.994,00 em conta corrente e R$4.450,00 no cartão de crédito, com devolução dos eventuais encargos bancários lançados na fatura do cartão de crédito do Autor decorrentes do não pagamento.
A liminar foi parcialmente deferida (fls. 64/65).
Citado, o requerido contestou alegando, em suma, que as compras foram realizadas pelo autor ou por pessoa a quem ele entregou sua senha pessoal e cartão, não sendo, portanto, de responsabilidade do Banco requerido.
Requer a improcedência (fls.137/161).
Réplica às fls.276/295.
É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTO E DECIDO.
O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
A ação é procedente.
Primeiramente, anoto a desnecessidade das provas documentais pleiteadas às fls. 304/307. Para análise do padrão de movimentação do cliente (autor), basta a juntada de extratos da conta e faturas anteriores do cartão de crédito, as quais já se encontram nos autos.
Conforme súmula nº. 297, do c. STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Ademais, evidente a relação de consumo entre as partes, nos termos dos artigos 2º e 3º, do CDC.
Nesse passo, incumbe aos fornecedores de produtos e serviços suportar os riscos inerentes à atividade lucrativa desenvolvida. Logo, cabe a eles desenvolver controle apto a evitar fraudes praticadas por estranhos, elidindo fortuitos internos ou, ainda, fraudes contratuais com utilização de documentos da parte autora.
O caso concreto permite concluir pela falha no sistema bancário, ao não bloquear o cartão do autor e prevenir a fraude, tendo em vista aquisições feitas fora do perfil do consumidor.
Nota-se das faturas de fls. 38/42 que os gastos do autor com cartão de crédito se resumiam a UBER, em valores mensais sempre inferiores a R$100,00 (cem reais). Assim, os valores gastos pelos fraudadores em 18/01/2021 tornam-se expressivos em relação aos gastos comuns do autor, além disso, foram cinco compras realizadas junto ao mesmo estabelecimento de lanches, no mesmo dia, em valores próximos a mil reais cada (fls. 36) o que, por si só, já seria suficiente para suscitar atenção.
Da mesma forma, os gastos realizados no cartão de débito também levantariam suspeita, uma vez que destoam do perfil do consumidor (R$ 2.999,00; R$2.998,00; R$2.997,00) e foram realizados no intervalo de um minuto entre eles (fls. 30).
Destaca-se que o documento de fls. 143 confirma a impugnação do autor junto ao réu, na data de 05/01/2021 e, embora o requerido alegue ter procedido ao bloqueio imediato, o cartão de crédito mostra compra realizada no dia 18/01/2021.
Sem prejuízo, ainda que o autor tenha fornecido seu cartão e senha para pessoa que acreditava ser funcionário do réu, somente o fez porque o fraudador tinha conhecimento de seus dados pessoais e bancários, denotando que foram extraídos do sistema bancário de cadastros, por falha de segurança do requerido.
Neste ponto, revendo posicionamento anterior deste juízo e em observação à jurisprudência dominante, tem-se que houve culpa concorrente das partes, para a ocorrência do dano, e, considerando o disposto no art.14, §3º, II, do CDC, a responsabilidade do requerido está evidenciada.
Neste sentido, a jurisprudência do E.TJSP:
“…Assim, diante da situação, nota-se que não se verifica culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, única forma de romper o nexo de causalidade, mas falha no sistema bancário, que contribuiu de modo eficaz para o evento”. (TJSP, Apelação 1022781-74.2015.8.26.0001, j. em 08.09.2016).

BANCÁRIO -GOLPE DO MOTOBOY -DANOS MATERIAIS E MORAIS -SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.1. DANOS MATERIAS -Argumentos que, em parte, convencem Golpe do Motoboy -Culpa concorrente do consumidor e da instituição financeira -Precedentes desta C. Câmara -Réu que sai condenado ao ressarcimento de apenas metade do prejuízo material sofrido pela parte autora.2. DANOS MORAIS -Dever de indenizar não caracterizado -Conduta da demandante que também deu causa aos danos Precedentes desta C. Câmara. RECURSO PROVIDO EM PARTE.(TJSP Apelação Cível nº 1010489-28.2018.8.26.0009, d. julgamento 10/11/2020, des. SERGIO GOMES RELATOR).

APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO GOLPE DO MOTOBOY SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA RECURSOS DE AMBAS AS PARTES.1. DANOS MATERIAIS Argumentos que, em parte, convencem
Golpe do Motoboy -Culpa concorrente da consumidora e da instituição financeira Requerida que sai condenada ao ressarcimento de metade do prejuízo material sofrido pela parte autora.2. DANOS MORAIS Dever de indenizar não caracterizado Condutada autora que foi causa eficiente dos danos Precedente desta C. Câmara. RECURSO DO BANCO RÉU PROVIDO EM PARTE. DESPROVIDOO DA AUTORA. (TJSP Apelação Cível 1007480-18.2019.8.26.0011, d. julgamento 11/02/2020).

CONSUMIDOR. SERVIÇOS BANCÁRIOS. GOLPE DO MOTOBOY. Rompimento do nexo de causalidade. Entrega do cartão a terceiro. SERVIÇOS BANCÁRIOS. PERFIL DO CONSUMIDOR. Transações que fogem ao padrão de consumo da recorrida. Fato não infirmado em contestação. Presunção de veracidade. Falha dos serviços prestados pelo recorrente. Sentença mantida pelos próprios fundamentos (art. 46 da Lei nº 9.099/1995). (TJSP Recurso Inominado Cível nº 0004161-38.2019.8.26.0309, d. julgamento 20/08/2020, des. Juan Paulo Haye Biazevic Relator).

No mesmo sentido, a Súmula 479, do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

No caso dos autos, a ciência dos dados bancários do autor, pelo fraudador, permite concluir pela falha no sistema bancário, onde constam referidos dados. Não tendo o requerido comprovado a culpa exclusiva da vítima, de rigor a procedência da ação.
Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a ação, nos termos do art. 487, I, do CPC, para DECLARAR a inexigibilidade dos débitos impugnados de R$9.994,00 em conta corrente do autor e R$4.450,00 no cartão de crédito, determinando ao réu a devolução de eventuais encargos bancários lançados na fatura do cartão de crédito do autor, decorrentes do não pagamento dos débitos em questão.
Sucumbente, arcará o requerido com as despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que fixo em 20% do valor da condenação 9art. 85, §2º, do CPC).
P.I.C.
Campinas, 10 de junho de 2021.

 

Especialista em Direito Imobiliário. Foi vice-presidente da Comissão de Direito de Família e membro da Comissão do Consumidor da OAB/Campinas e membro da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONTRIBUINTES – ABCONT.

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