Artigo

Por 
Sidval Oliveira

Última Atualização
01/09/23

Tempo de Leitura
8 minutos

O Papel das Grandes Empresas no Recorde de Processos Judiciais

Descumprimento do Reembolso por Companhias Aéreas e Agências de Viagem previsto na Lei 14.034/2020

O Brasil e o mundo enfrentaram desafios extraordinários devido à pandemia de COVID-19. Nesse contexto, o setor de viagens e turismo não escapou das turbulências, com inúmeras viagens canceladas e planos desfeitos. Para proteger a indústria da aviação e por consequência toda cadeia, o legislador brasileiro promulgou a Lei 14.034/2020, posteriormente alterada pela Lei nº 14.174/2021, com medidas de apoio ao setor.

Para esta hipótese, prevê que o reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 seria realizado pelas Companhias Aéreas no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado.

Art. 3º O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente.

Ocorre que, os voos contratados foram cancelados e sem adequação a solução aos interesses de disponibilidade do consumidor, não forma feitos os reembolsos dos valores das passagens aéreas.

Desnecessário lembrar, o prazo da Lei nº 14.034/2020 já se escoou e as Companhia Aéreas em alguns casos não solucionaram adequadamente o impasse, que se estende por quase 2 anos, prazo mais do que suficiente para o reembolso dos valores.

Descumprimento x Processos Judiciais

Se torna crucial analisar como as companhias aéreas e as agências de viagem não cumpriram as obrigações estabelecidas por essa legislação e não é novidade o recorde histórico de 31,5 milhões de ações judiciais ingressadas no Poder Judiciário.

Vamos explorar em detalhes as implicações desse cenário, os desafios enfrentados pelos consumidores e as perspectivas futuras no que diz respeito ao cumprimento dessa legislação por parte das companhias aéreas e agências de viagens.

A negativa do reembolso do valor das passagens aéreas revela-se manifestamente abusiva e excessiva (artigo 39, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor).

Isso porque, algumas Companhas Aéreas e agências de viagens simplesmente “embolsaram” o valor das passagens aéreas que não foram utilizadas e criaram obstáculos para reembolso do valor, porque sabem do ônus de um processo judicial para o consumidor, bem como da posição ultrapassada do judiciário em considerar a inexistência, nestes casos, de danos morais e sim “meros aborrecimentos”, sequer o dano extrapatrimonial de natureza existencial (desvio produtivo do consumidor).

A conduta das Companhias Aéreas e agências de viagens colocam os consumidores em desvantagem exagerada, sendo flagrante a sua abusividade, ao infligir à perda demasiada do que pagou em relação às passagens aéreas, que não foram utilizadas.

O fato é, que tal prática, isto é, não reembolsar os valores, é notória vem ocasionando um número elevados de processos em primeira e segunda instância com idênticos pedidos, porque, em sua grande maioria, são negados via administrativa ou até ignorados pelas Companhias Aéreas e agências de viagens.

Com relação ao prazo de devolução em 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, à luz da previsão legislativa, há de se observar que às empresas do ramo já foi deferido prazo dilatado para o reembolso. Assim, é o caso, portanto, do restabelecimento de cada parte ao seu “status quo ante“, com o desfazimento do negócio e a devolução integral e em dobro dos valores desembolsados respeitado o prazo de 12 meses a partir da data dos voos, ou seja, a partir de 12/08/2021.

Neste sentido, é pacífica a jurisprudência do TJSP:

Apelação Ação indenizatória Contrato de transporte aéreo internacional Desistência de voo com embarque previsto durante a pandemia da Covid-19 Na hipótese em comento, a desistência do autor decorre de evento de força maior, não afastando, assim, a responsabilidade da transportadora de conceder crédito do valor das passagens aéreas adquiridas, ou o reembolso do valor pago Artigo 3º, §3º da Lei nº 14.034/2020 Pedido de emissão de “voucher” ignorado Dever de reembolso dos valores despendidos, sem abatimento das penalidades contratuais, cuja cobrança não restou esclarecida Sentença de parcial procedência mantida Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1098966-74.2020.8.26.0100; Relator (a): Mauro Conti Machado; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 44ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/02/2022; Data de Registro: 15/02/2022). 

Consumidor. Ação de rescisão de contrato de intermediação para aquisição de passagens aéreas canceladas em razão da pandemia de COVID-19. Solidariedade entre franqueadora e franqueada, integrantes da cadeia de fornecimento. Impossibilidade de retenção da taxa de intermediação ou de cobrança de multa contratual, por se tratar de hipótese de força maior. Incidência da Lei 14.034/20. Reembolso que deve se dar no prazo de 12 meses contados do voo cancelado. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1005812-96.2020.8.26.0004; Relator (a): Pedro Baccarat; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV – Lapa – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/02/2021; Data de Registro: 26/02/2021). 

Aproximadamente 7 mil processos

Em breve pesquisa quantitativa de processos julgados em 1ª e 2ª instância do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi possível levantar os seguintes dados: 6.523 processos sentenciados em primeira instância e 620 em segunda instância.

Tais números, apenas revelam a dimensão do descumprimento reiterado da referida legislação e afastam, por evidente, a boa-fé das empresas envolvidas, porque adotam o modo de proceder ilícito em detrimento aos consumidores.

Reembolso em dobro

Observa-se, nesse contexto, o reembolso em dobro da quantia em questão, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. É notória a prática comercial abusiva e contrária à boa-fé dos consumidores.

A devolução do indébito, nos termos do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, tem-se que, recentemente, em outubro de 2020, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu o tema, em sede de julgamento do EAREsp 676.608, fixando a seguinte tese:

[…] A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. A repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados promovida por empresa de telefonia deve seguir a norma geral do lapso prescricional (10 anos, artigo 205 do Código Civil) a exemplo do que decidido e sumulado (Súmula 412/STJ) no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de medida de tarifas de água e esgoto.
Modular os efeitos da presente decisão para que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos não-decorrentes da prestação de serviço público a partir da publicação do acórdão. […] 

Afinal, considerando o atual posicionamento do STJ, não é mais necessária a efetiva demonstração da má-fé do fornecedor para que se configure a repetição em dobro de quantia indevidamente paga pelo consumidor, uma vez que a própria cobrança infundada já configura conduta contrária à boa-fé objetiva, a teor do que foi decidido pela Colenda Corte do STJ.

Neste sentido a jurisprudência do E. TJ-SP:

Ementa: Apelação. Ação Declaratória de Nulidade c.c. Indenização por Danos Morais e Repetição de Indébito. Sentença de parcial procedência para reconhecer a nulidade do contrato, e consequente inexistência da relação jurídica, bem como condenar a ré à restituição em dobro dos valores descontados e condenação em danos morais. Insurgência da ré. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Restituição do indébito em dobro. Aplicação do quanto decidido pelo C. STJ, no julgamento dos EAREsp 664.888/RS, EAREsp 676.608/RS, EAREsp 600.663/RS, EAREsp 622.897/RS e EREsp 1.413.542/RS. Má-fé subjetiva que é despicienda para fins de caracterização do dever de repetição dobrada, bastando que a conduta, objetivamente, seja contrária aos ditames do razoável e do justo. Ré seguradora que não demonstrou a adoção de cautelas mínimas para efetuar a contratação ou evitar a ocorrência de fraudes. Ausência de erro escusável. Dano moral. Configuração. Descontos indevidos realizados que reduziram os módicos ganhos da parte autora, eis que recebedora de benefício do INSS (verba de caráter alimentar), privando-a de valores indispensáveis para a sua sobrevivência. Quantum indenizatório arbitrado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que se mostra adequado. Precedentes desta Corte Estadual em casos análogos. Sentença mantida. Recurso não provido. Visualizar Ementa Completa (TJSP 1004456-90.2020.8.26.0481 – Classe/Assunto: Apelação Cível / Responsabilidade Civil – Relator(a): Ricardo Chimenti – Comarca: Presidente Epitácio – Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado – Data do julgamento: 21/03/2022 – Data de publicação: 21/03/2022).

Como demonstrado os consumidores têm direito ao reembolso integral e em dobro das passagens aéreas que não foram utilizadas, tendo em vista que os voos foram cancelados pelas companhias aéreas em razão da Pandemia da Covid-19.

Advogado devidamente inscrito na OAB/SP 168.872. Especialista em Direito Imobiliário.
Foi vice-presidente da Comissão de Direito de Família e membro da Comissão do Consumidor da OAB/Campinas e membro da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONTRIBUINTES – ABCONT.
Advogado expert em processos contra grandes empresas.

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