Regularização de Imóvel

Um direito fundamental assegurado na Constituição

Por Sidval Oliveira 
Advogado inscrito na OAB/SP 168.872. Especialista em Direito Imobiliário, com mais de 25 anos de experiência. 
09/08/2024

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O Código Civil, no seu art. 1.245 do CC, preconiza que a propriedade somente é transferida mediante o registro do título no Registro de Imóveis. Nessa linha, existe a operação de crédito imobiliário e muitas vezes o imóvel é ofertado em hipoteca pela própria parte devedora (art. 1.473, I, Código Civil), como garantia de pagamento de dívidas.

A hipoteca é contrato acessório de direito real. Na hipoteca, encontram-se presentes as seguintes partes, quais sejam: devedor hipotecante (aquele que dá o bem em garantia) e o credor hipotecário (aquele que tem o benefício do crédito e do direito real), geralmente uma instituição financeira.

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A hipoteca é registrada na matrícula do imóvel no competente registro de imóvel, nos termos do artigo 167, I, 2 da Lei nº 6.015/1973 (Registros Públicos):

Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. (Renumerado do art. 168 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
I – o registro:
2) das hipotecas legais, judiciais e convencionais;

Companhia Real de Crédito Imobiliário

A questão trazida neste artigo diz respeito ao cancelamento de hipoteca Imobiliária em decorrência da perempção, considerando que existe imóveis em diversos bairros em Campinas estão gravados com hipoteca em favor da Companhia Real de Crédito Imobiliário, emitidas na década 70 e 80, ou seja, há mais de 40 anos.

Diante deste contexto, muitos proprietários relataram ter procurado o Banco Santander Brasil, sucessor legal da Companhia Real de Crédito Imobiliário, buscando informações de como proceder às baixas, tendo em muitas vezes, o banco informado que esses documentos não existem mais e que não consegue efetuar as baixas na via extrajudicial, não havendo outro caminho a não ser o reconhecimento da perempção.

Demais disso, muitos proprietários têm a autorização de cancelamento da Companhia Real de Crédito Imobiliário, mas não foi liberado gravame hipotecário para que houvesse a transferência dos imóveis.

Pois bem.

O que fazer nestes casos de maneira prática?

Antes, considere a existência do pagamento e quitação do financiamento imobiliário, a inexistência da ação de execução ou processo contra a instituição financeira, além disso a reafirmo o nosso propósito na defesa do consumidor bancário. Acreditamos que somente uma relação equilibrada pode prosperar no mercado de consumo.

O devedor hipotecante que paga tem direito à quitação regular (art. 319/320, do Código Civil), compreendendo-se nessa regularidade o cancelamento, pelo autor do ato (o credor hipotecário), então feita junto ao registro de imóvel.

O gravame financeiro na propriedade imobiliária não pode eternizar-se, em decorrência das previsões constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e do direito social à moradia (art. 6).

Assim, deve o proprietário requerer, em primeiro momento, o reconhecimento e o cancelamento de registro de hipoteca perempta junto ao correspondente registro imobiliário, considerando:

  • O decurso de no mínimo 30 (trinta) anos da data do contrato, sem a devida prorrogação, a hipoteca perde seus efeitos e resulta em seu cancelamento no registro imobiliário;
  • O pagamento e quitação do financiamento imobiliário;
  • Inexistência de ação de execução do financiamento imobiliário;
  • Inexistência de ação contra a instituição financeira;
  • Autorização de cancelamento da hipoteca expedia pela Companhia Real de Crédito Imobiliário.

Justamente por essa razão que destacamos a sentença da 1ª Vara de 1ª Vara de Registros Públicos da Capital no Processo Digital nº: 1071937-10.2024.8.26.0100, Classe – Assunto Dúvida – Cancelamento de Hipoteca, que possui firme entendimento no sentido de que o decurso de no mínimo 30 (trinta) anos da data do contrato, sem a devida prorrogação, a hipoteca perde seus efeitos e resulta em seu cancelamento no registro imobiliário:


Sobre a matéria, a Lei de Registros Públicos assim dispõe:

“Art. 251 – O cancelamento de hipoteca só pode ser feito:
I – à vista de autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor ou seu sucessor, em instrumento público ou particular;
II- em razão de procedimento administrativo ou contencioso, no qual o credor tenha sido intimado (art. 698 do Código de Processo Civil);
III- na conformidade da legislação referente às cédulas hipotecárias”.

Conforme parecer do MM. Juiz Marcelo Fortes Barbosa Filho elaborado no Proc. CGJ 346/2002 e aprovado em 06.02.2002 pelo Corregedor Geral da Justiça à época, Des. Luiz Tâmbara, o rol previsto no art. 251 é numerus clausus, devendo, como regra, ser observado.

Contudo, se verificada a perempção, é possível operar-se averbação de ofício:

“Para que subsistisse a hipoteca, a prorrogação de sua inscrição deveria ter sido promovida dentro do prazo de trinta anos, vencido em 27.07.1986, e, como não o foi, a garantia real perimiu, eis que não se admite sua perpetuidade, cessando, então, a inscrição de produzir seus efeitos próprios (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974. vol. IV, p. 352-353).

Ora, caracterizada a perempção, operada pelo simples decurso de um prazo legal insusceptível de suspensão ou interrupção, conforme o explicitado pelo C. Conselho Superior da Magistratura quando do julgamento da Ap 256.993, da Comarca da Capital (rel. Des. Acácio Rebouças, j. 13.01.1977, RDI 3/121), não há necessidade de ordem judicial para que seja promovida averbação correspondente.

Assim, entendo ser possível, de ofício, seja determinada a realização de averbação, reportada a perempção da hipoteca em apreço, o que, apesar de não caracterizar um cancelamento, indicará não produzir a inscrição quaisquer novos efeitos”.

O prazo legal a que se refere a decisão, antes regido pelo artigo 817 do CC/16, vem atualmente estabelecido pelo artigo 1.485 do CC/2002 (destaques nossos):

“Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir”.

De tal modo, no decurso do prazo legal de trinta anos sem a devida prorrogação ou celebração de novo contrato, a hipoteca perde seus efeitos.

Em termos diversos, escoado o prazo de trinta anos, com termo inicial na data do contrato e não do registro da garantia real, tendo em vista que a lei expressamente assim determina, opera-se a perempção, ou seja, a liberação da garantia real.

Já se reconheceu a possibilidade de averbação da perempção em mais de um julgado da E. Corregedoria Geral da Justiça: Processo CGJ nº 904/2003, parecer do MM. Juiz Assessor Cláudio Luiz Bueno de Godoy, elaborado em 25.09.2003; Processo CGJ nº 07/2004, parecer do MM. Juiz Assessor José Antonio de Paula Santos Neto, elaborado em 02.02.2004, e Processo CGJ nº 2014/118757, parecer do MM. Juiz Assessor Gustavo Henrique Bretas Marzagão, aprovado pelo Exmo. Des. Hamilton Elliot Akel em 27.08.2014.

Neste último, ressaltou-se também que a averbação da perempção resulta em cancelamento da hipoteca, afirmação esta consignada com base em entendimento firmado em embargos de declaração no Proc. CGJ nº 788/2005, em decisão proferida em 25.10.2005 pelo Exmo. Des. José Mário Antonio Cardinale, à época Corregedor Geral da Justiça, cujo trecho se transcreve:

“… o almejado reconhecimento da perempção importa sim cancelamento da hipoteca, não tendo a decisão embargada incorrido em qualquer imprecisão técnica. Ainda que a postulação formulada não faça referência a cancelamento de hipoteca, certo é que a pretendida extinção do registro, ainda que decorrente de situação fática vinculada ao decurso do tempo, produz necessária e automaticamente aquele resultado. Como ensina Narciso Orlandi Neto:

O cancelamento de um ato do registro significa a retirada de seus efeitos do mundo jurídico. Melhor dizendo, cancelado o registro, desaparece a publicidade e, com ela, os efeitos que ele produziria em relação a terceiro.

Num sistema como o nosso, em que o registro tem eficácia constitutiva, aparece um efeito paralelo, de conteúdo negativo; ele é também extintivo do registro anterior…. (Retificação do Registro de Imóveis, 1997, Livraria Del Rey, Editora Oliveira Mendes, pág. 254).

E, nos expressos termos do artigo 248 da Lei de Registros Públicos, o cancelamento efetuar-se-á mediante averbação”.

Não bastasse isso, o proceder do ato de ofício foi objeto de norma regulatória prevista no item XXXII do Provimento nº 1/1988 desta Corregedoria Permanente, editado por José Renato Nalini e Ricardo Henry Marques Dip, com a seguinte redação:

“XXXII. Além das hipóteses previstas no item 122, cap. XX, das “NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA”, poderá averbar-se, por instância ou EX-OFFICIO, o cancelamento de registro de hipoteca perempta”.

Nesse contexto e diante dos precedentes e fundamentos, adota-se o entendimento de que a averbação do cancelamento de hipoteca pode se operar de ofício se constatada a perempção, fato jurídico este a ser verificado na ausência de registro de novo título reconstituindo o gravame quando decorridos trinta anos da data da formalização do contrato. Na incidência do artigo 1.485 do CC/02, que regula a matéria, nem mesmo se deve exigir a intimação da parte credora, pois inaplicável o art. 251, inciso II, da LRP (cf. decisão no Processo CGJ nº 07/2004 supracitado).


Neste sentido, ainda: Pedido de Providências: 1030369-14.2024.8.26.0100 – Localidade: São Paulo Data de Julgamento: 04/04/2024 Data DJ: 05/04/2024.

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