Golpe do Motoboy: Consumidores tem importante vitória com a unificação de orientação

Por Sidval Oliveira – OAB/SP 168.872

Bancos respondem pelos danos (reafirmando a tese de fortuito interno).

Os bancos são responsáveis pelos danos causados aos consumidores pela fraude bancária conhecida como “golpe do motoboy”.

Essa foi a conclusão da turma de uniformização de jurisprudência dos juizados especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

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Um novo contexto

Se no início e no decorrer da pandemia de COVID-19, houve aumento das fraudes bancárias e com algumas decisões contrárias atribuindo a culpa exclusiva ao consumidor.

Agora consolida, cada vez mais, a responsabilidade dos bancos.

Mas não se preocupe – tudo indica que as boas notícias se confirmarão, o TJDFT fixou enunciado de súmula 28, com a seguinte tese:

 

“As instituições financeiras respondem pelos danos decorrentes de fato do serviço nas fraudes bancárias conhecidas como “golpe do motoboy”, em que o consumidor, supondo seguir instruções de preposto do banco, e utilizando-se dos instrumentos de comunicação por ele fornecidos, entrega o cartão de crédito/débito a terceiro fraudador que o utiliza em saques e compras.”

 

Prestação de serviço falha ou defeituosa

Segundo o voto do Juiz JOÃO FISCHER que inaugurou a divergência a existência de atendimento telefônico pelos bancos e a exigência de senha, via telefone, conferem veracidade ao golpe do motoboy.

Segundo ele:

 

“O caso do golpe do Moto Boy não existiria, ou mesmo seria impossível de se realizar, caso não houvesse a atual cultura bancária acima mencionada. A existência, do nexo causalidade, portanto, encontra-se presente pela expectativa do consumidor em face dos serviços bancários telefônicos.”

E ainda:

“Sabe-se que o golpe somente é concretizado quando a vítima entrega o cartão nas mãos do motoboy, suposto funcionário do banco. Nestas condições, poder-se-ia falar em culpa exclusiva da vítima ou de terceiros? A resposta para tal indagação não pode ser extraída apenas fazendo-se um recorte da última etapa da fraude, quando há a entrega do cartão pela vítima; pelo contrário, é preciso que se analise todas as fases e mecanismos do golpe para que se possa extrair uma conclusão panorâmica e fundamentada sobre a questão

….
Com efeito, o estudo do modus operandi dos estelionatários revela que um dos principais elementos que confere verossimilhança ao golpe é o fato de que os fraudadores têm acesso a vários dados pessoais e bancários (sigilosos) do cliente previamente ao contato telefônico. Vale dizer: a vítima fica mais suscetível a ser ludibriada pela trama quando o estelionatário, passando-se por funcionário do banco, divulga uma série de informações pessoais (v.g., RG, CPF, número do cartão, informações constantes de faturas anteriores).
Ora, se o art. 1º, caput e § 4º, da LC 105/01prevê que o sigilo dos dados bancários somente pode ser quebrado mediante ordem judicial, não seria justo exigir do cliente adivinhar que houve comercialização de suas informações bancárias no “mercado negro”. Trata-se de exercício de futurologia que escapa às possibilidades do homem médio. Portanto, se os estelionatários têm acesso aos dados bancários do cliente – que, segundo a legislação vigente, devem ser conversados sob o mais absoluto sigilo pelos bancos – parece-nos evidente que há um defeito na prestação do serviço, nos moldes do art. 14, § 1º, do CDC.
Some-se a isto o fato de que os golpistas realizam múltiplas transações com o cartão da vítima em curtíssimo lapso temporal (frequentemente, o cartão é utilizado até estourar o limite). Estas transações, na maior parte das vezes, destoam completamente do perfil de consumo do cliente (seja pelo volume de transações, seja pelo montante gasto, seja pela localidade em que as compras são realizadas). Ao nosso ver, compras discrepantes com o perfil do consumidor – quando autorizadas pelo banco sem nenhum tipo de alerta eficaz (v.g., mensagem SMS, e-mail, ligação telefônica ou bloqueio preventivo) – também configuram uma falha na prestação do serviço.
Em nossa opinião, a combinação de todos estes fatores é mais do que o suficiente para a afastar a aventada hipótese de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros; em consequência, as instituições financeiras são obrigadas a ressarcir eventuais prejuízos de clientes que foram vítimas do “golpe do motoboy”, especialmente quando há vazamento de dados sigilosos do cliente e quando as compras são dissonantes do perfil de consumo da vítima. Como não poderia deixar de ser, a tese vai ao encontro da súmula 479 do STJ
….”

 


 

Segue abaixo a íntegra do acórdão que unificou o entendimento:

 

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS

Órgão Turma de Uniformização

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI CÍVEL

Processo N. 0701855-69.2020.8.07.9000

PARTE SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO DISTRITO

Relatora Desembargadora SONÍRIA ROCHA CAMPOS D’ASSUNÇÃO

Relator

Desembargador JOÃO LUIS FISCHER DIAS

Designado

Acórdão Nº 1347929

EMENTA

TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO DO CONSUMIDOR. FRAUDE PRATICADA POR ESTELIONATÁRIOS. GOLPE DO MOTOBOY.  RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. INCIDENTE CONHECIDO. FIXADA TESE JURÍDICA.

1.Trata-se de golpe engenhoso e complexo em que estelionatários, munidos dos dados pessoais de clientes de instituições bancárias, ligam para o telefone residencial (fixo) das vítimas (geralmente pessoas idosas) e se passam por funcionários do banco. Sob pretexto de informá-las quanto a suposta compra fraudulenta orientam-nas a entrar em contato com o telefone instituicional do banco. Ao acreditar que finalizou a primeira ligação, a vítima disca o número de telefone indicado no verso do cartão, enquanto o estelionatário permanece na linha. A vítima, que acredita estar em contato com o próprio banco, digita todos os dados pessoais normalmente exigidos nesse tipo de ligação, inclusive senha do cartão. O estelionatário orienta o cliente a fazer uma declaração de próprio punho para
impugnar a cobrança e a entregar os cartões para suposta análise pelo setor de segurança do banco.
Assim, a vítima, acreditando estar tomando todas as medidas para cessar a fraude, entrega os cartões ao suposto funcionário do banco, que se dirige até a residência da vítima e toma posse do cartão. A vítima também é orientada pelo estelionatário a desligar o telefone por algumas horas, como forma de evitar novas tentativas de fraude. Somente um tempo depois, o cliente constata ter sido vítima de golpe e percebe o imenso prejuízo material que sofreu.

2. Sobre a situação narrada, a divergência entre as turmas recursais consistia se o fato configurava falha na prestação dos serviços (fortuito interno) ou culpa exclusiva da vítima. Se de um lado havia revelação de dados pessoais dos clientes (nome, CPF, endereço residencial, telefone, operadora do cartão, entre outros), em que a responsabilidade pelo dano recaia sobre as instituições bancárias; por outro lado o golpe se concretizava com a entrega do cartão e senha a terceiros, excluindo-se a responsabilidade objetiva das instituições.

3. O fato de as instituições bancárias até os dias de hoje fazerem uso do telefone para diversas transações, em que o cliente é obrigado a digitar suas senhas, contribuiu para o sucesso do golpe, pois incute nos clientes a sensação de estarem realmente falando com um atendente bancário. Além disso, nota-se também que as diversas compras realizadas pelos estelionatários fogem ao perfil de consumo do cliente, muitas vezes realizadas até em estados diferentes da Federação em um curto espaço de tempo, o que reforça a necessidade das instituiçoes bancárias aprimorarem seus sistemas de segurança e bloqueio dos cartões de crédito.
4. Diante de tais considerações, a Turma de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais do Distrito Federal decidiu por maioria, a partir do caso em que foram partes BANCO DO BRASIL versus JOSÉ XAVIER DA SILVA (Processo n. 0703376-23.2020.8.07.0020, 2ª Turma Recursal, da Relatoria do Juiz JOÃO LUIS FISCHER DIAS), que as instituições bancárias são responsáveis pelo dano causado por estelionatários aos seus clientes decorrente da prática criminosa que ficou conhecida por “golpe do motoboy”.
5. Dessa forma, o julgamento do incidente pela Turma de Uniformização dos Juizados Especiais resultou na fixação do enunciado de súmula 28 com a seguinte tese: “As instituições financeiras respondem pelos danos decorrentes de fato do serviço nas fraudes bancárias conhecidas como “golpe do motoboy”, em que o consumidor, supondo seguir instruções de preposto do banco, e utilizando-se dos instrumentos de comunicação por ele fornecidos, entrega o cartão de crédito/débito a terceiro fraudador que o utiliza em saques e compras.”
ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do(a) Turma de Uniformização do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SONÍRIA ROCHA CAMPOS D’ASSUNÇÃO – Relatora, JOÃO LUIS FISCHER DIAS – Relator Designado e 1º Vogal, ASIEL HENRIQUE DE SOUSA – 2º Vogal, ARNALDO CORRÊA SILVA – 3º Vogal, FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA – 4º Vogal, CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO – 5º Vogal e ANTONIO FERNANDES DA LUZ – 6º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SIMONE LUCINDO, em proferir a seguinte decisão:

INCIDENTE ADMITIDO E RECONHECIDA A DIVERGÊNCIA À UNANIMIDADE. NO MÉRITO, UNIFORMIZADO O ENTENDIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDA A RELATORA, JUIZ ARNALDO CORREA SILVA E JUIZ ANTÔNIO FERNANDES DA LUZ. REDIGIRÁ O ACÓRDÃO O JUIZ JOÃO LUIS FISCHER. FIXADA A SEGUINTE TESE, À UNANIMIDADE:
“AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS RESPONDEM PELOS DANOS DECORRENTES DE FATO DO SERVIÇO NAS FRAUDES BANCÁRIAS CONHECIDAS COMO “GOLPE DO MOTOBOY”, EM QUE O CONSUMIDOR, SUPONDO SEGUIR INSTRUÇÕES DE PREPOSTO DO BANCO, E UTILIZANDO-SE DOS INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO POR ELE FORNECIDOS, ENTREGA O CARTÃO DE CRÉDITO/DÉBITO A TERCEIRO FRAUDADOR QUE O UTILIZA EM SAQUES E COMPRAS.”, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 13 de Maio de 2021

Desembargador JOÃO LUIS FISCHER DIAS

Relator Designado

RELATÓRIO

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência suscitado, de ofício, pelo ilustre Juiz João Luis Fisher Dias, da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, referente à divergência de entendimento, entre as Turmas Recursais, sobre a matéria tratada nos autos do processo n. 0703376-23.2020.8.07.0020, consubstanciada na responsabilidade da instituição financeira decorrente de fraude perpetrada por terceiro contra o consumidor, vítima do fato.
A 3ª Turma Recursal, nos acórdãos n. 1283628, 1251700 e 1206867, entende que a fraude denominada ´golpe do motoboy` caracteriza fortuito interno, sob o fundamento de que se trata de situação conhecida das instituições financeiras, e aplicada precipuamente em pessoas idosas.

Em sentido oposto, a 1ª Turma Recursal (acórdãos n. 1234346 e 1249692) e a 2ª Turma Recursal (acórdãos n. 1231221 e 1308864) entendem configurada a culpa exclusiva da vítima, o que afastaria a responsabilidade da instituição financeira.

É o breve Relatório.

VOTOS

P R E L I M I N A R

A Senhora Juíza SONÍRIA CAMPOS D’ASSUNÇÃO – Relatora

(escrito)

O Senhor Juiz JOÃO FISCHER – Vogal

Acompanho a eminente Relatora quanto à preliminar.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE DE SOUSA – Vogal

Com a Relatora.

O Senhor Juiz ARNALDO CORRÊA SILVA – Vogal

Com a Relatora.

O Senhor Juiz CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO – Vogal

Com a Relatora.

O Senhor Juiz ANTÔNIO FERNANDES DA LUZ – Vogal

Com a Relatora.

M É R I T O

A Senhora Juíza SONÍRIA CAMPOS D’ASSUNÇÃO – Relatora

Desse modo, ante o breve relatório e, considerando a divergência jurisprudencial das Turmas Recursais, admito o incidente.

Mérito

Conquanto a responsabilidade da instituição financeira seja objetiva, esta não é integral.

O artigo 14, § 3º, inciso II, do CDC, dispõe que o fornecedor de serviços não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor.

Com efeito, não há como, na hipótese, se deslindar da excludente de responsabilidade, uma vez que o dano foi decorrente de evento cuja causa deveu-se única e exclusivamente à conduta do correntista.

A fraude perpetrada por terceiros não decorreu de falha na segurança do banco, mas, sim, da negligência do cliente ao entregar seu cartão de uso pessoal e senha- intransferíveis- a fraudador, supondo tratar-se de funcionário do banco, comprometendo, com isso, a segurança dos serviços prestados pela instituição financeira.

Releva observar que a fraude não se dá nas dependências do banco, não tendo este qualquer ingerência sobre o ocorrido, ou mesmo sobre os serviços que supostamente seriam prestados por meio do motoboy, os quais não são adstritos à sua atividade.

Cabe ressaltar que as instituições financeiras, na hipótese, cumprem o dever de informação, esclarecendo aos seus clientes que jamais devem promover a entrega do seu cartão e/ou a senha, ainda que a supostos funcionários do banco, mesmo que esteja danificado, descrevendo, inclusive, em seus canais de comunicação, o denominado “golpe do motoboy”, a fim de que seja evitada a sua ocorrência.

O simples fato de o referido golpe ser corriqueiro não autoriza a sua inclusão na previsibilidade das atividades bancárias ao ponto de a instituição financeira se responsabilizar pela reparação de danos decorrentes do evento a que o consumidor deu causa, porquanto rompe, repiso, o nexo de causalidade entre os serviços afetos à instituição bancária e o dano.

Ante o exposto, não se tratando de fortuito interno, não há como se atribuir a responsabilidade pelo fato à instituição financeira.

Proposta de tese:

“A fraude perpetrada por terceiro decorrente da exclusiva negligência do consumidor não constitui fortuito interno, sendo causa excludente de responsabilidade da instituição financeira”.

O Senhor Juiz JOÃO FISCHER – Vogal

VOTO

A Segunda Turma Recursal vinha adotando o entendimento pela culpa exclusiva do consumidor que entregava o cartão e senha a terceiro estelionatário, do que resulta em posterior saque da conta corrente, com apropriação de valores pelas várias modalidades de gastos possíveis.

Não obstante, com o passar do tempo e apresentação de inúmeros casos, verifiquei que havia divergência de entendimento entre as Turmas e suscitei a uniformização de jurisprudência.

A culpa exclusiva do consumidor resulta na quebra no nexo de causalidade, que leva, por conseguinte, a ausência da responsabilidade objetiva com a exoneração de eventual dano material ou moral sofrido.

Vejamos, contudo, se está presente o nexo causal. Os bancos utilizam-se diariamente do telefone (ligação falada) para comunicar existência de fraude, quando ocorre. Isto é um fato. Também utilizam-se do telefone, com digitação em teclado, para diversas operações que envolvem transferência de valores e outras operações.

Ainda que o autor não tenha conta com a internet (smart fone), pode resolver várias pendências por telefone falado.

Como bem mencionou o Juiz Asiel, projeta-se uma imagem de que a ligação falada ao telefone constitui uma forma eficiente e suficientes para solução de pendências, pois é fato notório que os gerentes e funcionários ligam para os consumidores, para solução de problemas, inconsistências, etc… Sem maior esforço de memória podemos lembrar de episódios de comunicação telefônica entre cliente-banco, muitas vezes mediado por robôs com “inteligência artificial” de eficácia duvidosa.

A retenção de cartão de crédito também não é uma medida desconhecida pelos bancos, por vezes, feito pela própria máquina de atendimento (banco 24 horas).

A exigência de digitação da senha, com CPF, via telefone por teclado(fora dos aplicativos) também existe em alguns casos, sendo, nesse caso, possível notar a incoerência com as advertências que os bancos não fazem contatos por telefone.

O caso do golpe do Moto Boy não existiria, ou mesmo seria impossível de se realizar, caso não houvesse a atual cultura bancária acima mencionada.

A existência, do nexo causalidade, portanto, encontra-se presente pela expectativa do consumidor em face dos serviços bancários telefônicos.

No site da FEBRABAN

https://portal.febraban.org.br/pagina/3055/30/pt-br/canais-de-atendimento, vemos claramente a transcrição dos serviços:

CANAIS TELEFÔNICOS

Central de Atendimento– deve ser utilizado para realizar serviços transacionais:

-Saldos e extratos
-Pagamentos, resgates, transferências e demais transações
-Informações e dúvidas

Interessante artigo da lavra do advogado Heitor José Fidelis Almeida de Souza contribui para o esclarecimento da questão:

Recentemente, tem ganhado bastante evidência na mídia nacional um tipo de fraude bancária conhecida como “golpe do motoboy”. Embora os casos noticiados não sejam necessariamente idênticos, investigações da Polícia Civil de São Paulo conseguiram desvendar um padrão no modus operandidas quadrilhas especializadas: munidos de dados pessoais ( v.g., nome completo, RG, CPF, número e bandeira do cartão de crédito, bem como as compras registradas nas últimas faturas), estelionatários ligam para a vítima (preferencialmente idosos), como se fossem funcionários da bandeira do cartão de crédito ou do próprio banco, informando-a de que foram realizadas transações “suspeitas” com seu cartão; perguntam se a vítima reconhece as transações suspeitas (que, na verdade, nunca existiram).

Quando o cliente confirma que não realizou as compras, o estelionatário informa que o cartão de crédito foi alvo de uma fraude e sugere que a vítima ligue para a central de relacionamento do banco para solicitar o cancelamento e evitar maiores prejuízos. A vítima, na maior parte das vezes assustada pela situação, faz o que lhe é solicitado instantaneamente. Todavia – e talvez essa seja a parte mais sútil e audaciosa do golpe – os meliantes interceptam a ligação feita pelo cliente para a central de atendimento do banco, fazendo o redirecionamento para um call center falso, que, surpreendentemente, é igual ao utilizado pela instituição financeira da vítima. As senhas são surrupiadas nesta fase, através de um software que revela os números digitados pelo cliente no telefone.

Então, quando o cliente seleciona a opção para “falar com um atendente”, outro estelionatário atende a ligação e conduz a segunda parte do golpe: é confirmado à vítima que o cartão foi alvo de uma fraude e que o cancelamento será feito imediatamente; na sequência, o suposto funcionário do banco informa que a instituição financeira está conduzindo uma investigação, em parceria com autoridades públicas, para descobrir a origem da fraude e solicita para que o cliente contribua com a operação. Para tanto, a vítima é instruída a entregar o cartão de crédito “fraudado” para um portador (motoboy) especificamente designado pelo banco para tal finalidade.

Após o recolhimento do cartão pelo motoboy, os estelionatários fazem compras, empréstimos e saques em um curtíssimo lapso temporal. Quando o limite é excedido ou ocorre o bloqueio (por qualquer motivo), o cartão é descartado pela quadrilha, que passa a utilizar outro plástico obtido pela mesma via fraudulenta. Na maior parte das vezes, quando o cliente descobre que o cartão foi usado indevidamente já é tarde demais, pois uma verdadeira enxurrada de transações fraudulentas já foi concretizada pelos estelionatários, sem qualquer tipo de alerta eficaz pelas instituições financeiras. Diante deste cenário, qual seria a responsabilidade dos bancos?

Em primeiro lugar, é fundamental destacar que a relação entre correntistas e suas respectivas instituições financeiras é regulada pelas normas do Código de Defesa do Consumidor(“CDC”). Assim, diferentemente do que ocorreria nos contratos regidos exclusivamente pelo Código Civil, a responsabilidade dos bancos pelos serviços prestados aos seus clientes se enquadra na modalidade objetiva (art. 14, caput, CDC). Isso significa que as instituições financeiras respondem independentemente de culpa – pela reparação dos prejuízos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços bancários.

A este propósito a literatura especializada ressalta que a responsabilidade dos prestadores de serviços se aperfeiçoa mediante o concurso de três pressupostos: a) o defeito do serviço; b) evento danoso; c) relação de causalidade entre o defeito do serviço e o dano2. Destaque-se que o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele poderia esperar (art. 14, § 1º, CDC). De outra banda, o fornecedor de serviços poderá ser eximido de qualquer responsabilidade quando provar que, no caso concreto, houve culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Diante destes elementos objetivos, o ponto nodal da discussão acerca da responsabilidade dos bancos em relação ao “golpe do motoboy” consiste em aferir se há defeito na prestação do serviço bancário; ou se a culpa pela concretização do golpe é exclusiva do cliente.

Sabe-se que o golpe somente é concretizado quando a vítima entrega o cartão nas mãos do motoboy, suposto funcionário do banco. Nestas condições, poder-se-ia falar em culpa exclusiva da vítima ou de terceiros? A resposta para tal indagação não pode ser extraída apenas fazendo-se um recorte da última etapa da fraude, quando há a entrega do cartão pela vítima; pelo contrário, é preciso que se analise todas as fases e mecanismos do golpe para que se possa extrair uma conclusão panorâmica e fundamentada sobre a questão.

Com efeito, o estudo do modus operandi dos estelionatários revela que um dos principais elementos que confere verossimilhança ao golpe é o fato de que os fraudadores têm acesso a vários dados pessoais e bancários (sigilosos) do cliente previamente ao contato telefônico. Vale dizer: a vítima fica mais suscetível a ser ludibriada pela trama quando o estelionatário, passando-se por funcionário do banco, divulga uma série de informações pessoais (v.g., RG, CPF, número do cartão, informações constantes de faturas anteriores).

Ora, se o art. 1º, caput e § 4º, da LC 105/01prevê que o sigilo dos dados bancários somente pode ser quebrado mediante ordem judicial, não seria justo exigir do cliente adivinhar que houve comercialização de suas informações bancárias no “mercado negro”. Trata-se de exercício de futurologia que escapa às possibilidades do homem médio. Portanto, se os estelionatários têm acesso aos dados bancários do cliente – que, segundo a legislação vigente, devem ser conversados sob o mais absoluto sigilo pelos bancos – parece-nos evidente que há um defeito na prestação do serviço, nos moldes do art. 14, § 1º, do CDC.

Some-se a isto o fato de que os golpistas realizam múltiplas transações com o cartão da vítima em curtíssimo lapso temporal (frequentemente, o cartão é utilizado até estourar o limite). Estas transações, na maior parte das vezes, destoam completamente do perfil de consumo do cliente (seja pelo volume de transações, seja pelo montante gasto, seja pela localidade em que as compras são realizadas). Ao nosso ver, compras discrepantes com o perfil do consumidor – quando autorizadas pelo banco sem nenhum tipo de alerta eficaz (v.g., mensagem SMS, e-mail, ligação telefônica ou bloqueio preventivo) – também configuram uma falha na prestação do serviço.

Em nossa opinião, a combinação de todos estes fatores é mais do que o suficiente para a afastar a aventada hipótese de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros; em consequência, as instituições financeiras são obrigadas a ressarcir eventuais prejuízos de clientes que foram vítimas do “golpe do motoboy”, especialmente quando há vazamento de dados sigilosos do cliente e quando as compras são dissonantes do perfil de consumo da vítima. Como não poderia deixar de ser, a tese vai ao encontro da súmula 479 do STJ , segundo a qual:

“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.

Em reforço, a jurisprudência majoritária consolidada pelo TJ/SP também corrobora o entendimento esposado neste artigo:

“DECLARATÓRIA E RESPONSABILIDADE CIVIL – Cartão de crédito – Alegada obtenção fraudulenta da tarjeta magnética de titularidade da autora por meliante que se fez passar por preposto do banco réu, utilização do cartão de crédito para a realização de compras – Golpe do motoboy Existência e validade do consentimento da vítima não demonstradas – Falha na prestação do serviço Súmula nº 479 do Superior Tribunal de Justiça – Responsabilidade objetiva da instituição financeira Risco profissional – Fato de terceiro relacionado diretamente com a atividade desenvolvida pelo banco réu – Excludente de responsabilidade civil não verificada – Inexigibilidade do débito reconhecida Dano moral configurado – Damnum in re ipsa – Indenização devida – Arbitramento realizado segundo o critério da prudência e razoabilidade Procedência decretada nesta instância ad quem – Recurso provido”3
“RESPONSABILIDADE CIVIL – Cartão de crédito – Compras realizadas por terceiro sem autorização do autor – “Golpe do Motoboy” – Inversão do ônus da prova – Aplicação do art. 6º, VIII, do CDC Responsabilidade objetiva pelo fato do produto e do serviço (cf. arts. 12 a 14 do CDC), bem como pelo vício do produto e do serviço (cf. arts. 18 a 20, 21, 23 e 24 do CDC) – Ato ilícito e falha na prestação do serviço bancário – Responsabilidade objetiva em decorrência do risco da atividade – Dano moral Ocorrência – Prova – Desnecessidade – Dano “in re ipsa” – Fixação da indenização em R$10.000,00 Montante razoável – Manutenção da sentença de parcial procedência da ação de inexigibilidade de débito c. c. indenização por danos materiais e morais – Recurso desprovido.”4

Ademais, no exercício de sua frutuosa atividade empresarial, as instituições financeiras têm (ou deveriam ter) conhecimento de que as fraudes são um risco inerente ao seu negócio; e, como não há repartição de lucros com os consumidores, também não pode haver repartição de riscos e prejuízos. Trata-se da consequência lógica e jurídica da teoria do risco do empreendimento. A este propósito, Cavalieri Filho5 elucida que:

“Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos.”

Vale dizer: se o “golpe do motoboy” é viabilizado pelo vazamento ou venda de dados de clientes; e também pela falha nos sistemas de segurança, que não são capazes de detectar e bloquear transações financeiras destoantes do perfil de consumo dos consumidores, não podem os correntistas ser penalizados pelo aperfeiçoamento do golpe, muito embora seja forçoso reconhecer que há culpa concorrente de ambos, pois o consumidor entrega seu cartão – intacto – nas mãos de um motoboy, prática suspeita e que não é costumeira das instituições financeiras.

Em conclusão, se há culpa concorrente do cliente e da instituição financeira, a excludente de responsabilidade prevista no art. 14, § 3, II, do CDC (culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros) não produz efeitos no âmbito do “golpe do motoboy”, devendo as instituições financeiras indenizar seus clientes pela falha na prestação dos serviços”

Certo é que restou frustrada a justa expectativa do cliente pela segurança do serviço prestado por telefone falado pela Instituição Financeira, com esse entendimento inauguro a divergência, pedindo vênia a Digna Relatora.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE DE SOUSA – Vogal
VOTO
JUIZ ASIEL HENRIQUE
VOGAL

Senhora Presidente, eminentes pares, Reunidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do incidente.

Em relação ao mérito, encaminho entendimento jurídico diverso daquele encampado pela eminente Relatora.

Na matéria objeto desse incidente a Terceira Turma Recursal tem orientado o seu entendimento na compreensão de que as instituições financeiras concorrem com culpa para a perpetração da fraude bancária que se convencionou chamar “golpe do motoboy”, porque ela só se torna possível com a utilização da estrutura tecnológica oferecida ao consumidor e porque as instituições financeiras têm negligenciado a adoção de medidas de segurança destinadas a proteger os interesses dos consumidores.

Segundo os relatos que chegam ao Poder Judiciário a fraude é engendrada com o seguinte modus operandi padronizado, com pequenas alterações de caso para caso: (a) o consumidor recebe uma ligação telefônica, de um telefone fixo para um telefone fixo; (b) o interlocutor se identifica como empregado do setor de segurança do banco e reporta uma compra feita com o uso do cartão de crédito e indaga se o consumidor a reconhece; (c) o consumidor nega a compra e é orientado pelo interlocutor a ligar para o número de telefone fixo impresso no verso do cartão; (d) sem que o consumidor saiba, a ligação anterior não é interrompida e, ao tentar fazer a nova ligação o usuário ‘recebe’ sinal de linha, que supõe ser da companhia telefônica; (e) o consumidor realiza a ação que supõe seja a ligação para o banco e é atendido por membro da mesma organização criminosa que iniciou a fraude, e que permaneceu em linha, sem que o consumidor se dê conta disso; (f) a organização criminosa emula o ambiente sonoro do banco em que o titular tem conta e estabelece diálogos com o consumidor, fazendo-o crer estar tratando com o setor de segurança do banco, quando então é orientado a entregar o cartão de crédito a um preposto do banco, em geral acompanhado de alguma informação adicional; (g) de posse do cartão e da senha, obtida então ou antes, a organização criminosa promove saques em caixa eletrônico ou compras, em geral na modalidade e-commerce, que, mesmo impugnadas, são imputadas ao consumidor.

Pois bem.

A estrutura normativa do Código de Proteção e Defesa do Consumidor é toda voltada para a responsabilização do fornecedor pelos riscos implicados nos produtos e serviços ofertados ao mercado.
É o que se vê no art. 6º, incisos I e III, quando cuida dos direitos básicos do consumidor; no art. 8º, quando trata da proteção à saúde e segurança do consumidor; no art.12 e seu § 1º, inciso II, e art. 14 e seu § 1º, inciso II, quando disciplina a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço; e art. 31, quando trata sobre oferta de produtos e serviços.

O art. 14 estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do serviço, excluída esta responsabilidade apenas no caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. É ver:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.”

[…]

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II -a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Conforme a descrição do modus operandi, as fraudes que caracterizam o denominado “Golpe do Motoboy” se desenvolvem em duas etapas. Na primeira a organização criminosa obtém o cartão de crédito e senha do consumidor; e na segunda utiliza o cartão na rede bancária ou no comércio.

A primeira fase da fraude se inicia com o levantamento de dados sobre o relacionamento bancário do consumidor, os quais, tanto podem ser obtidos junto às instituições financeiras quanto a partir de operações comerciais ou bancárias do consumidor.

Mas sempre passam pela utilização da estrutura tecnológica das instituições financeiras, próprias e de outros fornecedores de insumo.

As ações descritas nos itens ‘d’, ‘e’ e ‘f’ do modus operandi aqui descrito, de ocorrência usual, revelam como se dá a utilização dessa estrutura de comunicação.

E quando se diga – como é corrente se dizer – que a fraude só é possível em razão de o sistema de telefone fixo utilizar-se, ainda hoje, do sistema de ligação por pulso, de responsabilidade das companhias telefônicas, ainda assim as instituições financeiras são responsáveis pelo resultado danoso.

De fato, a estrutura de comunicação por telefone, que é elemento fundamental na perpetração da primeira fase da fraude, constitui insumo e é parte da cadeia de serviços disponibilizados pelos bancos aos seus consumidores, por isso não se mostra razoável reputá-las ação de terceiros, de modo a excluir a responsabilidade dos bancos.

Também não se mostra razoável qualificar como culpa exclusiva do consumidor a ação de
entrega do cartão a integrante de organização criminosa, porque quando o consumidor assim age não o
faz com a intensão de vulnerar a segurança do sistema, mas ao contrário, de contribuir para a segurança
própria e da instituição financeira, supondo estar atendendo a instruções de preposto do banco.

A segunda fase da fraude só se aperfeiçoa com a realização das operações de saque ou compra
utilizando-se do cartão de crédito, esta última mediante comparecimento em loja física ou pela
modalidade de e-commerce.

Ora, a utilização de cartão de crédito/débito para saque de dinheiro, seja em caixa da própria
instituição financeira seja em caixa eletrônico, só é possível se o banco negligenciar a utilização dos
mecanismos de segurança suficientes a evitá-las.

No caso de comparecimento de terceiros, não titular da conta, no caixa bancário é de se esperar
que este seja identificado pelo preposto do banco, o que aliás é regularmente feito. E quando assim não
for estará presente grave falha na segurança do serviço, de sorte que seja responsabilizada a instituição
financeira pelos danos decorrentes do saque fraudulento.

E quando o comparecimento se dá em caixa eletrônico, de igual modo, é possível fazer-se a
identificação biométrica do apresentante do cartão, por alguma das várias modalidades já amplamente
utilizadas em vários dispositivos populares, como os telefones celulares, que cito aqui
exemplificativamente: (a) impressão digital; (b) reconhecimento facial; (c) reconhecimento de íris; (d)
reconhecimento de voz; (e) reconhecimento de retina, entre outras modalidades.

Certo é que o saque de dinheiro feito pelo estelionatário só pode ser concretizado se o banco
falhar na utilização de sistemas eficientes de segurança.

Relativamente às compras, também se dão por duas modalidades, a saber, pelo comparecimento
do apresentante do cartão em loja física ou pela sua utilização na rede de comércio eletrônico, o
e-commerce.

É procedimento usual das instituições gestoras de bandeiras de cartão de crédito a exigência, à

rede varejista, no contrato de credenciamento, de que identifiquem o apresentante do cartão. Assim, se

o varejista promove operação de venda sem identificar o apresentante do cartão é dele varejista a
responsabilidade pela quebra da chave de segurança, e por tanto, pelos danos deve responder ele
próprio, ou a instituição financeira administradora do cartão, ou a instituição gestora da bandeira,
qualquer deles em solidariedade por integrarem a cadeia de fornecimento do serviço financeiro.
E se a gestora da bandeira não se utiliza desse mecanismo singelo de segurança, de exigir a
identificação do apresentante do cartão, estará evidenciado caso de oferecimento de serviço inseguro,
por cujos danos igualmente deve responder.

Quando se trate de utilização do cartão de crédito na modalidade de e-commerce, seja de produtos
seja de serviços, é da natureza desta operação haver um intervalo entre o início do negócio, com a
contratação e o lançamento dos dados do cartão, e a sua conclusão, com a entrega do produto ou do
voucher, quando se trate de serviços de prestação futura.

Nesses casos, esse intervalo deve ser, e regularmente é, suficiente a obstar a conclusão das
operações fraudulentas, no caso de denúncia de fraude.

E, denunciada a fraude e não obstada a conclusão da operação por omissão da instituição
financeira, é dela a responsabilidade pelos danos daí decorrentes.

Como se vê, eminentes pares, há uma variedade de mecanismos de segurança possíveis de serem
implementados, de sorte a minimizar os riscos financeiros a que estão sujeitos os consumidores
bancários.

O sistema bancário, entretanto, tem preferido erigir validade a atos praticados mediante fraude,
sem qualquer manifestação de vontade do consumidor.

De fato, a presunção de validade de negócios jurídicos celebrados mediante a aposição de senha
por terceiros, sem qualquer manifestação de vontade do consumidor, e no mais das vezes, sem o seu
conhecimento, constitui excrescência e subversão dos princípios que informam a manifestação de
vontade como requisito de validade do negócio jurídico.

Neste campo, o que se vê são negócios jurídicos por omissão.

Pois bem.

O direito é fato, é valor e é norma.

E o fato é que esta é apenas uma das várias modalidades de fraudes praticadas no sistema
financeiro, de que são vítimas milhões de consumidores todos os anos.

A tecnologia da informação e da comunicação tem transformado o mundo e as relações sociais
têm migrado da dimensão real e presencial para a dimensão virtual em quase todos os setores da vida
social.

O impacto da tecnologia nos vários ramos da atividade econômica, setor financeiro incluído, tem
incrementado aumento na lucratividade das empresas e facilidade no cotidiano dos consumidores.

Mas no aspecto particular da segurança, objeto deste processo, parece haver um déficit de
incremento tecnológico na ponta vulnerável do mercado, que é o consumidor.

É do conhecimento geral, a dispensar demonstração, que o cartão de crédito com chip é
tecnologia utilizada há mais de década. Também é do conhecimento geral que as fraudes com cartões
que utilizam dessa tecnologia sempre ocorreram e continuam a ocorrer, sucedendo-se as suas várias
modalidades.

Conforme exposto nesta manifestação, há espaço para a adoção de várias ações destinadas a
conferir mais segurança às operações bancárias que são negligenciadas apesar de já disponíveis há
muito tempo, como a exigência de identificação do apresentante do cartão de crédito e a utilização de
sistemas de biometria.

Nesse cenário, não se mostra razoável, data vênia, excluir a responsabilidade das instituições
financeiras por fraudes quando estão ao alcance delas a adoção de mecanismos suficientes a evitá-las,
mas são negligenciados.

CONCLUSÃO

Com essas considerações, voto pela não exclusão de responsabilidade das instituições
financeiras pelos danos decorrentes das fraudes cognominadas “golpe do motoboy”, e proponho o
seguinte enunciado de súmula:

As instituições financeiras respondem pelos danos decorrentes de fato do serviço nas fraudes
bancárias cognominadas “golpe do motoboy”, em que o consumidor, supondo seguir instruções
de preposto do banco, e utilizando-se dos instrumentos de comunicação por ele fornecidos,
entrega o cartão de crédito (plástico) a integrante de organização criminosa que o utiliza em
saques e compras.

O Senhor Juiz ARNALDO CORRÊA SILVA– Vogal

Senhora Presidente, como o Juiz João Fischer disse no início, na 2.a Turma Recursal,

o nosso entendimento é pela não responsabilização do banco. E aqui vou acompanhar o voto da Juíza
Soníria Campos D’Assunção. É porque há, na verdade, a entrega do cartão e da senha, sendo que é
recomendado pelas instituições financeiras para que isso não ocorra nunca.
Vivemos em um país de gente desonesta. A nossa cultura é da desonestidade,
infelizmente. Devia ser a regra da honestidade, mas aqui tem de se desconfiar de tudo. Quando as
pessoas vão ficando mais velhas, com esse avanço tecnológico, talvez não tenham tanta capacidade de
lidar com isso. Mas não se deve entregar o cartão e a senha, como foi dito.

A fraude, como disse o Juiz Asiel Henrique de Sousa, vem em uma sequência:
entregar o cartão e a senha não é fraude, a fraude vem depois. Entendo que há uma certa falha do
banco, porque se formos lá tentar sacar dez mil reais agora, se não avisarmos com antecedência, não
conseguimos. Mas a bandidagem vai lá e saca.

Fui Delegado da Delegacia de Falsificações aqui em Brasília, a bandidagem vai lá e
saca cem mil reais, um milhão de reais, em dinheiro. Uma coisa esquisita, uma coisa que não dá nem
para entender como acontece. Mas eu, que sou correntista, não consigo sacar mais de cinco mil reais,
se não avisar com vinte e quato horas de antecedência.

Então, isso acontece nas compras em sequência e é onde se inicia a fraude. São
dezoito compras, como disse o Advogado da parte autora, em trinta minutos. Então, há nesse caso,
falha do banco. Há falha do banco nesse sentido, por quê? Se vamos tentar, como tentei, na semana
passada, fazer uma compra, comprei um produto de R$ 1.300,00 e outro de R$ 4.000,00 e pedi para
passar tudo junto; mas como os vendedores eram diferentes, em um segundo bloquearam e não me
deixaram efetuar a compra.

Não sei como que a bandidagem consegue. A bandidagem consegue fazer compras de
dezoito mil, vinte mil, trinta mil reais em seguida, e pessoas normais não conseguem. Então, parece-me

que há uma falha nesse ponto aí.

Mas, no caso concreto que estamos votando aqui, da entrega do cartão, vou
acompanhar a Juíza Soníria Campos D’Assunção pela não responsabilização.

Tenho complementação em relação à tese, se por acaso a tese de S. Ex.a for
vencedora.

O Senhor Juiz FERNANDO TAVERNARD – Vogal

Senhora Presidente, rogo vênia ao voto da eminente relatora Juíza Soníria Campos
D’Assunção para acompanhar a divergência apresentada pelo eminente Juiz Asiel Henrique de Sousa.

Para tanto, primeiramente enfatizo que o tema (“golpe do motoboy”) não está pacificado
no âmbito do e. TJDFT.

a

Em recente pesquisa que pude efetuar no sítio do TJDFT, constatei que a 2.ª, a 3.ª, a 6. e a
7.ª Turmas Cíveis reconhecem a responsabilidade civil objetiva das instituições bancárias (acórdãos n.
aa

1307632, 1323880, 1325233 e 1336494); e, de outro lado, a 1. , a 4. e a 8.ª Turmas Cíveis afastam
essa responsabilidade, por culpa exclusiva da vítima (acórdãos n. 1226366, 1281444 e 1333841). E não
consegui localizar específico acórdão da 5.a Turma Cível.

Na minha concepção jurídica , três são os pontos determinantes que me conduzem a
acompanhar a divergência em tela.

O primeiro é que as instituições bancárias ainda se valem dos serviços telefônicos para o
incremento de suas atividades, especialmente o da oferta de serviços, incluindo o oferecimento de
empréstimo por meio de cartão de crédito a ser contratado.

O s egundo é que não foi a consumidora quem teria tomado a iniciativa de contato a número
telefônico que estivesse fraudulentamente disponível na internet, senão de terceiro, que conseguiu, de
algum modo, o número telefônico do cliente e de sua relação jurídica contratual com a instituição
bancária, cujos dados deveriam estar sob sigilo. Tem-se então o início do ardil, ou seja, alguém
fazendo-se passar por representante da instituição bancária (“animus fraudandi”), e os desdobramentos
aqui retratados pelos eminentes Pares.

E o terceiro ponto , por sinal bem destacado pelo nobre advogado Anselmo Moreira
Gonzalez, diz respeito à publicidade em programas televisivos.

No entanto, a publicidade da matéria (“golpe do motoboy”), conquanto sirva de alerta, não
afasta a responsabilidade civil objetiva da empresa (CDC, art. 14) nem a necessidade da existência de
elemento integrante do contrato de prestação de serviços bancários, no qual deveriam estar explícitas,
bem claras e individualizadas (e com a ciência do consumidor) as situações de (in)existência de inicial
contato por parte da instituição bancária com seu correntista, de sorte que o consumidor, de acordo
com sua índole individual (mormente idoso e hipossuficiente) não mais pudesse alegar qualquer falta
de conhecimento dos fatos e do negócio jurídico por ele firmado.

Além disso , independentemente de atingido o objetivo do estratagema insidioso, qual seja, a
obtenção do cartão e do número, poderia e deveria a instituição bancária cuidar do controle preventivo
e superveniente dos gastos extraordinários do cliente (hipossuficiente), para fins de verificação da
aparente quebra de perfil, como sói acontecer nesses casos.

M antenho, pois, o entendimento jurídico da confirmação da responsabilidade civil objetiva
da instituição bancária, o qual tem sido adotado nos acórdãos da 3.a Turma Recursal dos Juizados
Especiais, que, por seu turno, segue a diretriz de quatro Turmas Cíveis (entre oito existentes) do nosso
egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

É o voto.

O Senhor Juiz CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO – Vogal

Senhora Presidente, eminentes Pares, pedindo vênia à eminente Relatora e aos que
pensam da mesma forma, estou acompanhando a divergência, encaminhando voto escrito.

Apenas menciono que a eventual participação de prepostos do banco e divulgação de
dados dos correntistas, a insegurança do sistema de comunicação, de sorte a permitir a sua
interceptação, a permissão de efetivação de compras fora do padrão de consumo do correntista, a
ausência de diligência no bloqueio do cartão e da adoção de mecanismos mais seguros para realização
de operações, dentre outras circunstancias, denotam, no meu entender, a falha na prestação de serviços
bancários, seja por atuação direta da instituição, seja por atuação de outros atores inseridos na cadeia
de serviços.

Se de um lado, a instituição financeira se beneficia com a redução dos custos e com a
propagação das operações bancárias realizadas pelos meios eletrônicos, sem contato direto com
funcionários do banco, aumento na lucratividade da atividade, de outro sujeita-se mais facilmente a
contratações irregulares e/ou fraudulentas devendo por elas responder a outros fundamentos
mencionados no voto escrito que encaminho.

Mas, repetindo, estou acompanhando a divergência.

O Senhor Juiz ANTÔNIO FERNANDES DA LUZ – Vogal

Senhora Presidente, considerei muito engenhoso o voto e o raciocínio desenvolvido
pelo Juiz Asiel Henrique de Sousa. Inclusive, citando o modus operandi da fraude perpetrada.

Mas, diante de todos os argumentos que o Juiz Asiel Henrique de Sousa levantou nas
hipóteses, acompanho a Relatora. Isso porque não se constitui um fortuito interno, não está
comprovado no processo que foi um fortuito interno.

A responsabilidade objetiva, quando ocorre fortuito interno, aí sim, não vejo nenhum
problema. Agora, quando o fortuíto é externo, promovido por um telefonema de uma terceira pessoa,
entendo que é diferente, isto porque a vítima não tomou os cuidados necessários com a seguranção, até
porque, as redes sociais e noticiários dão conta de vários golpes por meio de telefone, e-mail,
aplicativos, atc., é difícil crer que a vítima não tenha conhecimento ou tenha ouvido falar nessa, ou
outras, modalidade de golpe.

É muito dificil hoje encontrar uma pessoa que não faça uso decartão de crédito que usado diversos
locais: na feira, no supermercado, no cinema, em compras no shopping. Nesses locais, o número dos
nossostelefones são pedidos, como uma prática costumeira. Também, nesses locais, digitamos a nossa
senha, muitas vezes na frente do vendedor; Outras vezes, também, essas pessoas nos pedem o cartão de

crédito para passar. No meu caso, eu nunca entrego, peço para trazer a máquina para que eu possa
inserir o cartão e digitar a senha e, ao digitar a minha senha, sempre coloco algum obstáculo à frente.

Por isso acompanho o voto da eminente Relatora, em razão da incúria do próprio
portador do cartão ou correntista de alguma instituição financeira.

DECISÃO

INCIDENTE ADMITIDO E RECONHECIDA A DIVERGÊNCIA À UNANIMIDADE. NO MÉRITO, UNIFORMIZADO O ENTENDIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDA A RELATORA, JUIZ ARNALDO CORREA SILVA E JUIZ ANTÔNIO FERNANDES DA LUZ. REDIGIRÁ O ACÓRDÃO O JUIZ JOÃO LUIS FISCHER. FIXADA A SEGUINTE TESE, À UNANIMIDADE:
“AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS RESPONDEM PELOS DANOS DECORRENTES DE FATO DO SERVIÇO NAS FRAUDES BANCÁRIAS CONHECIDAS COMO “GOLPE DO MOTOBOY”, EM QUE O CONSUMIDOR, SUPONDO SEGUIR INSTRUÇÕES DE PREPOSTO DO BANCO, E UTILIZANDO-SE DOS INSTRUMENTOS DE COMUNICAÇÃO POR ELE FORNECIDOS, ENTREGA O CARTÃO DE CRÉDITO/DÉBITO A TERCEIRO FRAUDADOR QUE O UTILIZA EM SAQUES E COMPRAS.”

Não seja enganado por grandes empresas. Conheça seus direitos para que seja tratado com justiça e para se juntar a nós na construção de um mercado consumidor mais justo.

Saiba quais são os seus direitos em determinadas situações contra bancos e financeiras.

Advogado – OAB/SP 168.872. Especialista em Direito Imobiliário. Foi vice-presidente da Comissão de Direito de Família e membro da Comissão do Consumidor da OAB/Campinas e membro da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONTRIBUINTES – ABCONT.

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