Justiça autoriza retirada do sobrenome do pai

Filha foi vítima de abandono afetivo

O Tribunal de Justiça de São Paulo, reformou em 18/06/20, sentença de improcedência de ação de retificação de registro civil para exclusão do sobrenome paterno de uma pessoa que sofreu abandono afetivo e material por parte do pai.

Não existindo vínculo emocional afetivo, tampouco laço familiares com o pai, causando dor e sofrimento a filha. Não há por que manter o sobrenome do pai em seus documentos.

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O Desembargador Donegá Morandini da 3ª Câmara de Direito Privado assim decidiu: 

Segundo o melhor entendimento, rege-se o nome, enquanto instituto, pelo princípio da imutabilidade relativa, autorizada a excepcionalmente sua modificação se presente justa causa, nos termos do artigo 57 da Lei n. 6.015/73, decorrente de relevância social ou indevido constrangimento de seu titular.

No caso em tela, é incontroverso o rompimento de vínculo de afetividade existente entre a apelante e seu genitor. O próprio apelado, embora afirme querer bem à filha e desejar a reaproximação, assume que se afastou a partir de 2014 em razão de desavenças profissionais com o núcleo materno da apelante (fl. 54), o que ratifica o delineio fático exposto na causa de pedir.

Afirmou ainda:

Com efeito, a exclusão do sobrenome do pai é providência relevante, na medida em que, embora permita a identificação da linha genealógica paterna da recorrente, diante das circunstâncias transformativas operadas sobre os laços familiares, somente lhe causa sofrimento e desgosto.

Ou seja, na espécie, admite-se modificação excepcional do nome a fim de garantir a proteção da própria personalidade da apelante, nos termos do artigo 16 do Código Civil, não se podendo olvidar, neste tocante, que “o nome civil é o sinal exterior pelo qual são reconhecidas e designadas as pessoas, no seio familiar e social (…), é o elemento designativo da pessoa” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. v. I. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 286), devendo espelhar a realidade vivida por sua titular.

Por final, a sentença da Vara de Votuporanga foi reformada de forma unânime e julgou procedente o processo para excluir o sobrenome paterno, determinando a exclusão no assento do nascimento da autora.

Segue abaixo a íntegra do acórdão:

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2020.0000443260
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003518-65.2019.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que é apelante R. A. DE F. V. (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado C. V..ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO PAZINE NETO (Presidente sem voto), BERETTA DA SILVEIRA E VIVIANI NICOLAU.
São Paulo, 18 de junho de 2020.
DONEGÁ MORANDINI
Relator
3ª Câmara de Direito Privado
Apelação Cível n. 1003518-65.2019.8.26.0664
Comarca: Votuporanga
Apelante: R. A. de F. V.
Apelado: C. V.
Voto n. 47.469
AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL.
Pretensão da requerente de exclusão do patronímico paterno de seu nome. Julgamento de improcedência. Irresignação. Acolhida impositiva. Medida fundada em abandono sofrido pela interessada por parte de seu genitor. Incontroversa ruptura do vínculo afetivo. Quadro que gera imenso sofrimento à interessada. Cumprimento da hipótese do artigo 57 da Lei nº 6.015/73. Resguardo aos direitos da personalidade da requerente. Precedentes do C. STJ e desta Câmara. Eventuais prejuízos a terceiros, no mais, não evidenciados.
SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO.
1. Trata-se de ação de retificação de registro civil julgada IMPROCEDENTE pela r. sentença de fls. 111/115, da lavra do MM. Juiz de Direito Camilo Resegue Neto e de relatório adotado, condenando a autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários de advogado fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais).
Recorre a requerente.
Consoante as razões expostas às fls. 120/130, busca o provimento recursal para “reformar a sentença, julgando totalmente procedente a pretensão inicial, qual seja, a supressão do patronímico paterno, ‘Vicente’, (…), reconhecendo-se que o caso se enquadra na excepcionalidade que vem sendo admitida por nossos Tribunais, já que sua manutenção traz constrangimento, sofrimento e afronta aos direitos constitucionais à personalidade e dignidade” (fl. 130). Argumenta, em síntese, que é incontroverso o quadro de abandono afetivo e material por parte do genitor, quadro que indica haver relevante motivo para a mutação do nome, inclusive segundo entendimento jurisprudencial superior.
O recurso foi processado, sem resposta (fl. 133), sendo tempestivo e dispensado de preparo, dado que a apelante é beneficiária da gratuidade processual.
A Douta Procuradoria opinou no sentido do desprovimento do apelo (fls. 150/155).
Intimadas as partes, não manifestaram oposição ao julgamento virtual no prazo regimental.
É O RELATÓRIO.
2. O recurso comporta provimento, respeitado o entendimento do Douto Magistrado.
Trata-se de ação aforada pela apelante a fim de ver extirpado, de seu nome, o patronímico de seu genitor (“Vicente”), sem prejuízo dos demais nomes de família ostentados. Alega, em síntese, que sofrera abandono afetivo por parte do apelado, de modo que ostentar seu sobrenome lhe gera indevido sofrimento.
De fato, razão lhe assiste.
Segundo o melhor entendimento, rege-se o nome, enquanto instituto, pelo princípio da imutabilidade relativa, autorizada a excepcionalmente sua modificação se presente justa causa, nos termos do artigo 57 da Lei n. 6.015/73, decorrente de relevância social ou indevido constrangimento de seu titular.
No caso em tela, é incontroverso o rompimento de vínculo de afetividade existente entre a apelante e seu genitor. O próprio apelado, embora afirme querer bem à filha e desejar a reaproximação, assume que se afastou a partir de 2014 em razão de desavenças profissionais com o núcleo materno da apelante (fl. 54), o que ratifica o delineio fático exposto na causa de pedir.
De outra parte, o relatório psicológico colacionado à inicial é suficiente a demonstrar o quadro de sofrimento, desconforto e constrangimento decorrente da ostentação do patronímico paterno pela apelante. In verbis: “Segundo Rafaela, desde a separação dos fatos, as experiências vividas com ele a deram a sensação de não ter importância em sua vida, e o que sempre prevaleceu foi o sentimento de abandono. No início, ele a procurava, mas esta relação foi se tornando cada vez mais distante, e há 5 anos não tem qualquer contato com o pai e sua família paterna. (…) O contato com seu sobrenome paterno não dá a Rafaela o sentimento de importância, dignidade e felicidade. Ao contrário, desencadeia sentimentos de humilhação e constrangimento, todas as vezes que tem de entrar em contato com a realidade de sua filiação” (fl. 35).
Com efeito, a exclusão do sobrenome do pai é providência relevante, na medida em que, embora permita a identificação da linha genealógica paterna da recorrente, diante das circunstâncias transformativas operadas sobre os laços familiares, somente lhe causa sofrimento e desgosto.
Ou seja, na espécie, admite-se modificação excepcional do nome a fim de garantir a proteção da própria personalidade da apelante, nos termos do artigo 16 do Código Civil, não se podendo olvidar, neste tocante, que “o nome civil é o sinal exterior pelo qual são reconhecidas e designadas as pessoas, no seio familiar e social (…), é o elemento designativo da pessoa” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. v. I. 11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 286), devendo espelhar a realidade vivida por sua titular.
A propósito, tal providência se mostra adequada ao entendimento assentado no Colendo Superior Tribunal de Justiça: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO. SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO PATERNO. ABANDONO PELO PAI NA INFÂNCIA. JUSTO MOTIVO. RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 56 E 57 DA LEI N.º 6.015/73. PRECEDENTES. 1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. 2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo,
mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna. 4. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO” (REsp 1.304.718/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 05/02/2015).
De mais a mais, evidenciou-se que a exclusão registral do patronímico paterno não gerará prejuízos a direitos ostentados por terceiros, uma vez que não constam registros de ações nos distribuidores cíveis e criminais em nome da recorrente (fls. 91/95), ou tampouco inscrições nos cartórios de protesto do lugar de seu domicílio (fls. 90).
Nesse sentido, são precedentes desta Câmara: “REGISTRO CIVIL. EXCLUSÃO DE PATRONÍMICO. Ação de adoção c.c. retificação de registro civil. Autora que pretende a supressão do patronímico paterno biológico “Cruz”, não compartilhado com sua mãe ou avós socioafetivos. Possibilidade. Requerente que foi abandonada afetivamente pelo pai biológico (já falecido) em sua juventude. Motivo suficiente para a modificação pretendida. O nome representa direito de personalidade e, como tal, está intimamente ligado à integridade moral do indivíduo e ao princípio da dignidade humana. Princípio da imutabilidade do nome que não é absoluto. Precedente do STJ. Ausência de prejuízo a terceiros. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO” (Apelação Cível nº 1007663-63.2017.8.26.0009, Rel. Alexandre Marcondes, j. 19.03.2019). E, também: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pedido de retificação para exclusão do patronímico paterno e inclusão de apelido de família da avó materna, além de exclusão da filiação paterna. Recurso interposto pela parte autora em face de sentença de improcedência. Parcial acolhimento. Precedente do STJ. Manifestação favorável do Ministério Público. Substituição do patronímico que é autorizado, diante das especificidades do caso. Autora que além de ter perdido o contato com o genitor quando ainda de tenra idade, possui repulsa a sua figura, visto que ele teria sido acusado de haver abusado sexualmente de sua irmã unilateral, quando esta era criança. Improcedência, no entanto, quanto à exclusão da filiação, na medida em que a questão não é meramente registraria, mas de direito de família, e a referida pessoa não consta dos autos. Sentença reformada, para excluir o nome de família do pai e incluir o nome de família da avó materna. Determinação para anotação de segredo de justiça. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO (v.31469)” (Apelação Cível nº 1005592-55.2017.8.26.0020, Rel. Viviani Nicolau, j. 05.09.2019).
3. Diante de todo o exposto, de rigor que se proveja o apelo a fim de que, reformada r. sentença, determine-se a alteração do assento de nascimento da apelante, com exclusão do patronímico “Vicente”, tal como requerido na petição inicial (fl. 11), com oportuna expedição de mandado ao cartório de registro civil competente. Invertem-se, no mais, os ônus de sucumbência estipulados na origem, com os quais passará a arcar o apelado, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, respeitada a gratuidade processual que ora lhe é concedida.
DÁ-SE PROVIMENTO AO APELO.
Donegá Morandini
Relator

Processo nº 1003518-65.2019.8.26.0664

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Advogado – OAB/SP 168.872. Especialista em Direito Imobiliário. Foi vice-presidente da Comissão de Direito de Família da OAB/Campinas e membro da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CONTRIBUINTES – ABCONT.

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